A Filha Roubada - Completo - ✔

87§ O legado

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A filha é agora uma mulher adulta, casada e com um filho. Ela despacha-se para ir a um evento, ao qual os pais não comparecerão...

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- Mulher -

Passa o batom vermelho nos lábios, olhando-se ao espelho. Aquela cor dá-lhe o toque de vivacidade que faltava, no rosto inevitavelmente degastado dos sessenta e alguns anos.

Os seus olhos também perderam algo do verde esmeralda da juventude, mas, por outro lado, acumularam mais em experiência e realização pessoal.

Levantou-se mais cedo do que o habitual, para cuidar de cada detalhe do seu aspeto físico. Não quer desapontar a sua menina num dia tão importante para ela quanto este.

Às nove em ponto já estava à porta do salão de cabeleireira. Bastava-lhe umas tesouradas em alguns cabelos mais rebeldes, porém a profissional insistiu em dar uma pintura, seguida de algum volume e ondulação aos mesmos.

Chegada a casa, vestiu o blazer e saia azul escuros, sobre a blusa branca.

Para compor a indumentária, socorreu-se do colar de esferas pérola, o qual é sempre uma escolha segura para momentos mais solenes.

Talvez considerem o seu aspeto algo conservador ou reservado, no entanto é isso mesmo que ela pretende.

Tal como ao longo de toda a sua vida, também hoje quer ser uma mera figura secundária no evento. É a sua "filha de coração" quem merece o palco, este é o momento dela brilhar.

Enquanto colocava os brincos, deixou a vista esbarrar numa fotografia antiga sua com o único marido que teve.

Desde aquele encontro no parque de estacionamento da delegacia da polícia, trinta anos atrás, nunca mais voltou a cruzar-se com ele.

A assistente social contou-lhe que, após esse dia, ele nunca mais regressou, para espanto do inspetor.

Pela primeira vez, ele abandonara um caso em que estivesse envolvido, mesmo que na qualidade de convidado.

Segundo o inspetor, o ex-marido alegara terem surgido imprevistos que requeriam o seu regresso urgente a casa.

Talvez aquele fosse um sinal de que ela continuava a não lhe ser indiferente. Todavia, ele optara por desaparecer novamente, deixando a mensagem subliminar de que ela provocava-lhe um efeito nocivo.

No que diz respeito à assistente social, a cumplicidade entre ambas naquele episódio, décadas atrás, acabara por ditar o seu posterior afastamento.

Alguns anos depois do sucedido, um par de jornalistas mais espevitadas tinham exposto todo o esquema de adoções ilegais.

Os serviços socias, em que a amiga trabalhava, tinham sido alvo de uma exaustiva investigação, e a assistente social fora apanhada nesse fogo cruzado também.

Na altura, temera que o caso do sequestro da menina viesse à baila, no entanto tal não aconteceu.

Como a adoção da criança não se consumara, aquele processo interrompido e abandonado, passara despercebido no meio de tantos outros que tinham vingado, apesar de todas as infrações cometidas.