96§ O poder do perdão

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< Capítulo anterior: 95§ Resignado

O pai regressou ao seu país natal, procurando se conformar com o desmoronamento da sua vida familiar. O seu estado de apatia foi interrompido por um carro desconhecido que se aproxima...

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*** PENÚLTIMO CAPÍTULO ***

– Filha -

"Não devia ter trazido aqueles saltos altos." – é o primeiro pensamento que a invade, assim que põe o primeiro pé fora do carro. 

O terreno irregular e poeirento recebe-a de forma hostil, assim que sai da viatura. O calor sufocante aflige-a de imediato.

Fixa os olhos no seu objetivo. Vai ali por uma causa maior! Dirige-se em direção ao pai e retira os óculos escuros, decidida a olhá-lo diretamente, sem filtros nem mentiras.

– Vim para falarmos! – diz-lhe com determinação. – Devo-te algumas explicações e, penso que, ninguém melhor do que tu para entender tudo o que fiz!

Analisa minuciosamente cada reação do pai, como se dum adversário político se trate. É algo que não faz de forma propositada, mas que as suas vivências gravaram dentro de si.

O pai larga o que está a fazer e encara-a, desprovido de qualquer medo.

– Diz! Estou a ouvir!

São palavras frias, despidas de emoção. Ela sabe que pode ter ascendente sobre muitas pessoas, nos círculos onde se move. No entanto, sobre o pai, a sua influência é nula. 

Não se pode queixar da atenção que ele sempre lhe deu, dos cuidados que teve consigo. 

A única coisa que impediu a relação deles de ser perfeita foi o espectro da mentira. Foi a história ficcionada que ele criou em torno da vida dela, que a revoltou. 

Como ele pôde achar-se no direito de reescrever o passado dela. Era algo que não lhe competia, uma enorme heresia.

– Dei-te todas as oportunidades de te abrires comigo, pai! – explica-lhe ela. – Não tinhas qualquer legitimidade em brincar com o meu passado, picotando-o aqui e acolá. Tudo para te protegeres a ti próprio! Reconhece que foi uma atitude egoísta.

– Eu chamo-lhe um gesto de amor! – contesta o pai. – Que alternativa tinha eu? Preferias ter sido a filha dum preso? O que sabes tu da vida?

Já antevia tal justificação da parte do pai: "Um gesto de amor"! Claro que fora também isso! O problema é que associado a esse ato tinham vindo tantos outros mais. 

Poderia enumerar um rol de atitudes questionáveis, dispostas ao longo da linha ténue que separava o ético do ilegal, na qual o seu pai gostava de viver.

– Se estás tão seguro disso, porque nunca mo explicaste? Por que optaste por enganar a mãe estes anos todos?

– Por que vos quero acima de qualquer coisa! Vocês são tudo para mim! Se foi egoísmo ter feito o impossível para não perder a minha família e não desperdiçar qualquer instante ao lado dela, então sim... fui egoísta!

A frieza inicial do pai, rapidamente cedeu. Pode notar que aquelas são palavras há muito sufocadas dentro dele.

– Mas tinha medo, muito medo, de que vocês jamais entendessem os meus motivos. – prossegue ele. – Como dizes à tua família que mataste um miúdo de quatro anos? Qual é a melhor forma de contar à pessoa que amas, que a filha dela foi raptada por uma ex-namorada tua, à qual destruíste a vida? Diz-me!

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora