24§ O inspetor que achava que sabia jogar xadrez

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O Wattpad por vezes tem comportamentos estranhos. Assim, antes de continuar, certifique-se sempre de que leu o capítulo anterior.

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Enquanto espera por ser chamada a prestar declarações, a mãe assiste a todo um julgamento em praça pública acerca da idoneidade dela e do marido como pais. As declarações reproduzidas na comunicação social são surpreendentes e não auguram nada de bom...

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- MÃE -

O inspetor não demorou muito a apontar todas as munições na direção dela. As palavras suaves e comedidas tinham terminado. 

Ela sentia-se perdida, como que tivesse entrado na sala de cinema a meio de um filme intrincado, em que cada instante era decisivo para entender o rumo da história.

– Neste momento, as bases para crermos que a menina está viva e foi sequestrada por uma mulher baseiam-se num único testemunho... o seu! – desbobinou o inspetor falando para ela – Pergunto-me se isso será o suficiente.

– Isso não é verdade, senhor inspetor! Eu vi a minha filha na estação de comboios e, além disso, foi através do relato de um taxista que cheguei até ela!

– Um indivíduo que teima em não aparecer, apesar de já termos inquirido todos os taxistas que normalmente usam aquela praça. Parece que andamos à procura de um fantasma. Ninguém conhece esse pretenso homem que a senhora descreveu parcamente, sem qualquer detalhe que o possa identificar em concreto.

A conversa do inspetor endurecera. Falava com toda a propriedade e parecia que a qualquer momento a ia acusar de tudo.

– A juntar a isso, - continuava o inspetor. – Não existe qualquer gravação de vídeo da estação de comboios que contenha a criança e a suposta sequestradora.

– Pode ir direto ao ponto, senhor inspetor? – disse-lhe ela, prestes a se descontrolar perante tantas insinuações.

– Tudo o que diz respeito a esse alegado rapto é circunstancial e simplesmente assente nas suas palavras. Tenho a sensação de ter vários profissionais no terreno, a perseguir borboletas por horas a fio. – o inspetor acentuou o desagrado na sua própria voz. – Espero que não estejam a brincar com o trabalho da polícia!

Ela estranhava o silêncio do marido perante o discurso feroz do agente da autoridade. 

Numa situação normal, ele já se teria exaltado e dado um par de berros, sem filtros na língua, para quem quer que fosse que a estivesse a ofender. 

Contudo ele continuava sossegado na cadeira, evitando de olhar quer para o inspetor quer para ela.

– Por quem nos toma senhor inspetor? – disse ela, tomando as rédeas da defesa de ambos. – Estamos aqui a colaborar e a solicitar a ajuda da polícia para encontrar a nossa filha!

– Uma coisa é a história que a senhora nos conta, desde ontem à noite; outra, bem distinta, são os factos que continuam-me a chegar às mãos.

Que factos seriam esses? Como podiam eles serem tão distintos do que contava, levando em conta que só dissera a verdade?

– Os meus colegas acabam de me enviar os resultados preliminares da perícia que fizeram ao apartamento esta manhã. – disse o inspetor, retirando algumas folhas, que acabava de imprimir ao seu lado. – Parece que o chão ao sopé das escadas está repleto de vestígios de sangue. Consegue adivinhar a quem pertencem?

Agora entendia a área delimitada que a polícia montara naquela zona. 

Claro que sabia perfeitamente de quem eram esses vestígios de sangue, embora a surpreendesse o facto de eles terem resistido à sua meticulosa limpeza. 

Ela tinha lavado e esfregado aquela zona, quase de uma forma obsessiva, com os mais diversos detergentes, por dias a fio. 

Na altura, sentira a necessidade incessante de apagar aquele episódio da sua vida e refugiara-se na limpeza daquele malogrado local.

– Sim, o relatório indica que muito provavelmente pertencem à sua filha! – prosseguiu o inspetor sobranceiro. - Vestígios semelhantes foram encontrados no quarto da criança. O mesmo sítio onde encontrámos aquela insólita grade de madeira. Vamos continuar a ignorar essa peça peculiar e a fazer de conta que ela não existe?

O inspetor levantara-se da cadeira, como que se preparando para fazer o seu cheque-mate. Era evidente que ele já definira na sua cabeça quem eram os culpados daquele desaparecimento. 

Ela só se questionava se ele teria a ousadia de verbalizar claramente o que lhe ia na cabeça. 

Sentiu as suas pernas tremerem. 

Não era um sinal do seu temor perante a acusação do inspetor, mas sim a adrenalina que percorria o seu corpo, prestes a conduzi-la a uma reação qualquer inesperada.

– A minha questão é, - rematou o inspetor preparando-se para um golo de baliza aberta. - Vamos continuar aqui a atuar como a família exemplar, que está desesperada por encontrar a filha desaparecida? Ou vamos começar a revelar tudo o que aconteceu na noite passada e pôr caras aos verdadeiros culpados?

O marido despertara finalmente com a acusação sagaz do inspetor, o qual escolhera cirurgicamente as palavras para os colocar no banco dos réus, mas sem apontar diretamente o dedo a nenhum deles. 

Ela refreou o marido, pois esta já não era uma batalha em que ela quisesse ficar na retaguarda. 

Sem hesitar, antecipou-se a ele e arremessou violentamente em cima da mesa a pasta que carregara consigo desde casa.

– Está na altura, sim, de você tomar uma dose de realidade e deixar de ser insolente! – disse ela com toda a raiva e indignação que lhe percorriam as entranhas naquele momento. – Como ousa acusar-me a mim e ao meu marido de algo tão horrível!

As lágrimas deslizaram-lhe pela face e o marido apertou as suas mãos. 

O inspetor ficara subitamente perplexo com a explosão da mulher e olhou para a pasta que jazia em silêncio na mesa.


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*** O que está na pasta?  ***

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A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora