92§ Uma jogada arriscada

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A filha iniciou o seu discurso consciente de que precisa de fazer algo para controlar as notícias que estão a surgir na comunicação social a respeito do seu passado. Para isso decide expor publicamente a identidade de quem a sequestrou no passado...

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– Filha -

Espera que a nana se sente novamente na cadeira, ao lado do marido e do filho. A sua ama é uma autêntica dama, da qual se orgulha desde sempre. 

Como tal, seria incapaz de permitir que aquela distinta mulher fosse submetida a um julgamento popular. 

Assim, apressa-se a dar o devido enquadramento a tudo o que rodeou o hipotético sequestro, três décadas atrás.

– Tenho que vos contar a história desta mulher que tenho aqui atrás de mim! É um relato sofrido, duma mãe que perdeu um filho ainda criança.

Não há volta atrás! Está proibida de deixar pontas soltas ou assuntos mal explicados, que possam ser aproveitados pela comunicação social e pelos seus adversários para a atacarem.

Durante muitos anos esperou que o pai lhe contasse toda a verdade acerca do sucedido. Deu-lhe todas as chances e mais algumas para ele ser sincero com ela. 

Em repetidas ocasiões, ela até preparara todo o terreno da conversa, deixando-lhe a porta escancarada para ele simplesmente revelar tudo. Mas nada!

A princípio pensara que o pai não lhe confidenciava aquele ato hediondo, temendo que ela acabasse por o denunciar à polícia e ele terminasse preso. 

Contudo, após a pena prescrever, a atitude do seu progenitor não se tinha alterado uma vírgula.

– Estamos a falar duma criança de quatro anos, que estava acompanhada da mãe, numa esplanada dum café, numa tarde qualquer de verão. – olha para trás para a nana, que está de semblante caído, procurando controlar a sua angústia. – Bastou uma leve distração para a tragédia se propiciar!

Hesita! Será que ganhar mais uns milhares de votos e passar à segunda volta, vale tudo aquilo que está prestes a fazer? 

Mesmo assim, nada lhe garante que será bem compreendida pelo eleitorado. É sem dúvida uma jogada muito arriscada, ela sabe-o.

No entanto, na sua ótica, desmascarar o pai vai muito mais além de qualquer interesse político que tenha. Acha que a sua ama merece a reposição da verdade. 

Se é certo que nada trará o filho dela de volta, também não é menos verdade que o pai não deve passar impune.

Ela acompanhara, ao longo do tempo, a dor da nana. Inevitavelmente ficara simpatética com as feridas abertas que aquele episódio fatídico lhe deixara. 

Se tão somente o pai tivesse tido a hombridade de assumir os seus atos e tentar repará-los! Não o perdoa por ocultar-lhe essa verdade e ter enganado a mãe todos aqueles anos. 

Como ele ainda se atrevera a tentar afastá-la da ama, tentando questionar dissimuladamente o caráter da mulher?

– Segundo as testemunhas oculares daquela fatalidade, a criança atravessou a passadeira com o semáforo verde para os peões. Todavia, tal não a impediu de ser violentamente atropelada por um automóvel, que não respeitou a sinalização. Mais grave, o condutor desse automóvel pôs-se em fuga sem prestar qualquer auxílio.

Porá tudo a descoberto pela mãe! A progenitora tem o direito de saber toda a verdade e estar consciente do homem que dorme ao seu lado. 

Aquele segredo que ela guardara, afetara a relação delas. Tinham sido tantas as vezes em que se sentira incomodada por ocultar da mãe assuntos de tamanha gravidade. 

Por isso, optara por afastar-se da casa dos pais logo que surgira a oportunidade. Observar a mãe com todos os carinhos e amabilidades para com o pai chegava a ser-lhe excruciante. 

Era injusto ele receber todas aquelas atenções, quando a mãe estava na ignorância acerca do passado dele.

– Talvez se estejam a perguntar: Porque tudo isto aconteceu? O que tem esta história a ver com um discurso político? – questiona a audiência, que apresenta um silêncio gélido. – Bom, o condutor em questão fugia das autoridades, certamente devido a algo ilícito. Esse homem envolvera-se em negócios turvos. Tinha problemas financeiros derivados da dificuldade em arranjar um emprego. Era um indivíduo sem as competências necessárias ao que o mercado de trabalho procurava.

Fará justiça! É disso que se trata. Não odeia o pai, longe disso! Ele sempre foi uma fonte de carinho e atenção para ela. 

Porém, é-lhe impossível negligenciar que a felicidade dele foi construída sobre a desgraça e a ignorância de outras pessoas.

Tenta convencer-se de que isto é o certo a fazer. O pai não irá preso, mas pelo menos terá de enfrentar o seu maior demónio: a verdade.

– O infrator era um estrangeiro, um imigrante. O nosso país acolheu este homem sem verificar antecipadamente se podia-lhe oferecer o que ele buscava! Este é um exemplo real do quão trágica se pode tornar a imigração desenfreada.

Olha para a sua nana, atrás de si. A mulher, em lágrimas, apenas lhe acena com a cabeça, apelando a que ela desista do que ainda vai dizer. 

Na noite anterior, telefonara à babá a pô-la a par do seu plano para estancar os rumores que brotavam, quais ervas daninhas. 

A ama havia tentado dissuadi-la daquela ideia, procurando a convencer de que não valia a pena castigar mais o pai e, principalmente, a mãe. No entanto, ela permanecera irredutível.

– Vocês não podem imaginar o quão dolorosa esta história é para mim! Pois, tal como vos disse, também eu sou filha dum imigrante. Mas não posso deixar de pensar em como tudo isto podia ter sido evitado se esse imigrante, pouco preparado, nunca tivesse entrado no país. – respira fundo, e mune-se da escassa coragem que lhe resta. Eis chegado o momento de proferir as palavras mais difíceis. – Pois esse imigrante... que matou aquela criança... é o meu pai!

Apoia-se na tribuna, evitando demonstrar o quão trémula está. Depois daquele discurso nada será como dantes. 

Não consegue prever a reação das pessoas diante de si, quando o choque inicial das suas revelações tiver passado. 

Olharão para ela como uma mulher corajosa, defensora de causas, por mais que estas a afetem? Ou verão nela simplesmente a filha dum assassino?

Desconhece também como encontrará a sua família, pais e irmã, quando descer daquele palco. 

Conseguirá a mãe entender que parte do que fez foi por ela? Algum dia o pai a perdoará por aquela atitude, reconhecendo que era merecedor dalguma justiça poética?

No final de tudo, um discurso que pretendia que tivesse sido de respostas, resultara em muitas mais questões para o seu futuro!     

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Os derradeiros capítulos já a seguir, de acordo com o final mais votado.

Um abraço.

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora