81§ A maratona de negociações

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A mãe recebeu o milagre pelo qual tanto ansiava, num reencontro repleto de emoções...

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- PAI -

É do conhecimento geral que a noite mais longa do ano ocorre em Dezembro, geralmente pela altura das grandes festividades. Para ele, a noite mais longa da sua vida tinha sido a anterior.

Agora, enquanto observava a esposa, deleitada por ter a filha de volta nos seus braços, não conseguia esquecer a maratona de negociações à qual tinha sido submetido nas últimas horas.

A assistente social tinha sugerido que todas as partes se unissem e chegassem a um acordo. 

Na ótica dele, não havia qualquer motivo para isso. Tudo era por demais evidente: aquela era a filha dele, pelo que o lugar dela era perto dos pais.

No entanto, duma forma instintiva, tinham-se formado dois bandos: de um lado, a assistente social e a sequestradora; do outro, ele e o padrinho.

Muitas vezes, ouvira falar acerca das famosas rondas de negociações entre políticos, que se estendiam horas a fio, mergulhando pela madrugada a dentro. 

Sempre achara tudo isso um exagero, uma mera farsa para a opinião pública acreditar que os governantes realmente trabalhavam e defendiam acerrimamente os interesses da população.

Contudo, ele agora podia dizer que experienciara algo semelhante. Naquela noite, as quatro pessoas ali expostas ao frio da geada que ia caindo, todas tinham o seu futuro em jogo, algo a perder. 

As suas vidas estavam suspensas, balançando sobre um arame, como um equilibrista no circo. Um passo menos bem calculado e seria a catástrofe.


Ele estava consciente da gravidade do crime que cometera no passado, com o homicídio daquele menino, talvez seu filho, e a posterior fuga. 

Não havia justificação que lhe valesse. Bastava aparecer mais alguma testemunha a corroborar toda a situação e o seu destino estaria selado. 

Era-lhe inconcebível aceitar a ideia de passar dezenas de anos na prisão, longe da sua família, a qual teria perdido irremediavelmente, quando a esposa se inteirasse do sucedido.


Sobre a sua antiga namorada, uma mãe que perdera o seu próprio filho, pesava o delito de sequestro duma menor. 

Tivesse ela agido por amor, ou numa tentativa de fazer justiça pelas próprias mãos, o resultado final era o mesmo: um crime gravemente punido por lei. 

À medida que a noite fora avançando, ficara claro que ela não suportaria encarar uma cela de prisão, sem desmoronar emocionalmente.


Era indiscutível que todo este rapto se desenrolara com a conivência duma pessoa fulcral, que nos bastidores encarregara-se de tapar, ocultar e manobrar pequenos detalhes. 

O profissionalismo, ou melhor, a falta dele, acabaria com a carreira daquela assistente social. 

Além da condenação que seria inevitável, pressentia que isto podia ser apenas o levantar dum pano bastante maculado. 

Suspeitava que atrás daquele caso viriam à tona muitos outros crimes similares ou piores, praticados por ela e sabe-se lá por quem mais. A assistente social já não o enganava. 

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora