88§ Coisas de mãe

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A mulher despacha-se para acompanhar a a rapariga que outrora sequestrara a um evento. Contudo, algo continua a incomodá-la...

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– Mãe -

Se há algo que parece ser comum a todos os homens é que quando ligam a televisão ou é para ver futebol ou ouvir política. Ali na sua casa o cenário não era muito distinto. 

Desde que o marido chegara para almoçar, tinha-se instalado no sofá e sintonizado a televisão no canal noticioso, o qual dava cobertura aos eventos políticos do dia.

– Já conseguiste falar com a nossa filha hoje? – questionara-lhe ele a partir da sala.

– Não, desde ontem que não sei nada dela. – respondera-lhe, enquanto continuava de volta dos tachos, a terminar de confecionar o almoço.

Viu-o pegar uma vez mais no telemóvel e tentar ligar à filha. Perante a não resposta do outro lado, o marido balbuciou um resmungo impercetível.

Ela já desistira desse modo de proceder, afinal, conhecia perfeitamente as filhas que tinha. Estava perfeitamente ciente do espírito autónomo e independente da sua primogénita. 

Não valia a pena insistir em ligar-lhe, inundando-lhe o telemóvel com chamadas ou mensagens, pois ela só responderia quando assim o entendesse.

Desde jovem que a rapariga evidenciara esse espírito, demarcando o seu perímetro, ao mesmo tempo que, inevitavelmente, criara um certo distanciamento face aos pais. 

Tal não significava que tivessem uma má convivência, no entanto, era como se a relação entre pais e filha habitasse num segundo plano.

Como mãe, já dedicara muito tempo a meditar em que exato momento essa barreira invisível começara e erguer-se. Acabara por concluir que tudo se repercutia naquele fatídico sequestro. 

Por diversas vezes, sentira que apesar de terem-lhe devolvido a filha, não a recuperara por completo. 

Havia uma parte da criança que ficara perdida para sempre, naquele acontecimento, décadas atrás.

Se era verdade que as crianças não guardam quase nenhuma memória prévia aos quatro ou cinco anos de idade, ela apercebia-se de que toda aquela sucessão de eventos tinha ficado gravada permanentemente na alma da sua filha.

– Mãe, queres que vá pondo a mesa? – perguntou-lhe a sua outra filha.

– Sim, querida! Agradeço-te.

Como a sua relação com a filha mais nova tinha sido distinta! A rapariga recebera uma versão melhorada de si como mãe. 

Apesar de todos os seus compromissos profissionais, jamais abrira mão daquela filha. Levara-a consigo, desde bebé, para onde quer que fosse. 

Alguns dos seus clientes, olhavam-na com reprovação, quando se apresentava na casa destes com a filha. 

Contudo, as reservas iniciais logo se dissipavam quando começavam a falar de trabalho. A sua paixão pelo que fazia era capaz de fascinar até mesmo os clientes mais difíceis. 

Bastava-lhe uns minutos a apresentar as ideias dela para decorar qualquer divisão, loja ou apartamento, para os deixar rendidos.

Com o passar dos anos, gerara-se uma enorme cumplicidade entre ela e a filha mais nova. Eram as melhores amigas uma da outra e não havia tabus entre elas.

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora