86§ Mais de trinta anos depois...

122 18 10
                                    

----------

< Capítulo anterior: 85§ Aquele que os sogros desprezavam

Apesar da convivência com os sogros não ser fácil e das atribulações para encontrar um emprego, o pai recebeu com determinação a sua nova filha. No final, foi revelada a identidade da ama da sua filha mais velha.

----------

*** ÚLTIMOS CAPÍTULOS ***


Mais de trinta anos depois...

– Filha -

O som da televisão invade a cozinha, onde ela corta meticulosamente a cenoura em pequenos cubos perfeitos, para posteriormente os colocar na panela. A peça no noticiário prossegue.

– As últimas sondagens realizadas dão o primeiro lugar ao candidato de centro-esquerda, sendo seguido bem de perto pelos candidatos de extrema-direita e de centro-direita. A primeira volta das eleições legislativas ocorrerá já no próximo Domingo, pressagiando uma luta bastante renhida. Tudo deverá ser decidido na segunda e definitiva volta, a ocorrer daqui a duas semanas, opondo os dois líderes dos partidos mais votados...

O filho continua a deambular pela cozinha, com um carrinho na mão, como se este pudesse voar. 

Claro que todo o percurso é acompanhado com um barulho extenuante do suposto motor, que a criança vai reproduzindo com a garganta.

– Vai arrumar os teus brinquedos! Daqui a pouco vamos sair. – avisa ela o pequeno rapaz de três anos e meio.

Começa a picar a cebola, com a mesma precisão com que tratou da cenoura. 

Aprecia os movimentos sincronizados e mecânicos das suas mãos, onde brilham a aliança e um par de anéis que lhe foram oferecidos pelo esposo. 

O marido ainda se encontra no trabalho e irá ao encontro dela e do filho mais tarde. 

Na realidade, não há uma explicação plausível para ela estar já a adiantar a refeição, uma vez que não almoçarão em casa, e teria tempo de sobra para tratar do jantar quando regressasse.

Talvez estas lides da cozinha sejam um mero escape para a ansiedade que não admite surgir dentro de si. 

Podia muito bem ter pedido à empregada, que também é ama do seu menino, que tratasse de tudo, em vez de ter-lhe dado folga.

O telefone de casa toca. Limpa as mãos ao pano, e empoleira o telefone entre o ombro e o ouvido, enquanto despeja para a panela todos os ingredientes picados.

– Sim, vem-me aqui buscar primeiro! – ordena ela ao motorista. – Convém irmos com tempo, pois ainda temos de fazer uma paragem antes.

Após terminar a chamada, vai à procura do miúdo, que deve ter ido brincar para outra divisão da casa. 

Certamente que terá de dar-lhe uma endireitadela à roupa, para o compor, e penteá-lo de novo. A ela basta-lhe retirar o avental, uma vez que já está completamente preparada. 

A sua toilette é simples, funcional, mas de muito bom gosto. Um mero fato bege, de manga curta e saia pelos joelhos, sem decote, apenas adornado com um fio de ouro. 

Nada de exuberante, embora qualquer olho mais perspicaz dar-se-á conta de que a peça tem assinatura dum estilista, escapando das roupas expostas num pronto a vestir convencional.

Após escovar o cabelo de cor amendoada da criança, calça os seus sapatos de salto-alto e pega na mala para saírem. 

Tal como expectável, o motorista faz jus à disciplina militar de que tanto se orgulha, já os aguardando pontualmente fora da vivenda.

A Filha Roubada - Completo - ✔Onde histórias criam vida. Descubra agora