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Em plena sexta feira tudo que eu queria era poder ficar em casa jogada na cama na tentativa de atualizar minhas séries, ignorando toda a roupa suja que tenho que lavar antes de segunda.

Essa era minha total intenção, antes da Carol chegar aqui quase me implorando para acompanha-la em uma dessas festinhas que ela sempre inventa de marca rolê em cima da hora.

Respirei fundo me dando por vencida enquanto a observo em frente ao espelho do meu quarto terminando o delineado.

— Olha pelo lado bom, hoje a cachaça é de graça. — Faço cara de desdém pra ela que sorrir debochada.

— Preciso nem lembrar de como foi que a gente voltou pra casa da última vez, né? — Ela rir alto pegando a bolsa pra guardar as maquiagens.

Pois é, da última vez que fui atrás dessa doida voltei de carona dentro da mala do carro de um estranho que mais parecia um combi de tanta gente.

Terminei de me arrumar passando os dedos pelo rabo de cavalo para dar mais volume aos cachos que fiz no baby quando o uber chegou, fechei tudo jogando documento, dinheiro e chaves de casa dentro da bolsa. O motorista já estava esperando na frente de casa quando saímos.

— É show de quem mesmo? — Perguntei fechando a janela.

— Rap né, mona. — Arqueei a sobrancelha levando minha mente a lembrar da mesma pessoa que tem sido bem frequente em meus pensamentos ultimamente.

Desde aquela madrugada no hospital me vi fazendo algo que não faço a um bom tempo, stalkear alguém, dia e noite.

Sorriu fraco negando com a cabeça. A trouxa acreditou mesmo que logo ele mandaria um direct como havia prometido. Só ilusão, mais uma vez.

Tentei ignorar a sensação de garganta seca e o sentimento de negação focando no movimento do lado de fora do carro. Passei a mão no pescoço descendo para altura do coração enquanto ouvia a voz da Carol longe.

Encostei a cabeça no banco levando os olhos até os céus me permitindo me perder entre as estrelas enquanto admiro a beleza da lua, um dos meus passa tempos preferidos na vida.

Chegando no Kontenier o movimento já estava nas alturas, pelo visto todo mundo decidiu por os pés aqui hoje.

— Obrigado moço, bom trabalho. — Paguei a corrida ouvindo ele agradecer enquanto descíamos do carro.

— Ainda bem que hoje os humilhados foram exaltados. — Falou pegando na minha mão me puxando para entrada da área vip.

— Ué gente, qual a parte do rolê eu perdi, Carolina da Silva Santana? — Sorrir nervosa sem entender nada.

— Manu, você precisa confiar um pouquinho mais na sua amiga, cara. — Me olhou por cima do ombro me fazendo rir.

Vai saber no que essa doida se meteu.

Conseguimos passar pela entrada enquanto ela seguia me puxando pelo povo indo em direção a uma parte bem em frente ao palco junto a um grupo de pessoas.

— Cheguei meu povo. — A Carol gritou chamando atenção de todo mundo como sempre. Segurei o riso observando alguns caras olhar na nossa direção.

Quieta estava, permaneci.

Como é mesmo aquele ditado? Simpatia é pra poucos.

— Essa é a Manu, meu povo. — Sorrir fraco acenando com a cabeça puxando ela para o lado.

— Da onde você conhece esse povo, mesmo? — Falei entredentes enquanto ela olhava para todos os lados menos pra mim.

— Ah amiga, da vida, das festinhas. Tão fortalecendo o rolê e isso que importa. — Confirmei com a cabeça gargalhando. — Bora encher a cara que você sem álcool fica parecendo uma velha ranziza.

Já com um copão de gin na mão vi quando o Orochi entrou no palco, logo eu que já critiquei tanto esse macho me vi cantando as músicas dele.

Que ironia, ein Manuella.

Grudei logo na frente pra ter total visão do local em si e de quem estava cantando.

Metade da noite já tinha voado quando a Carol se aproximou me abraçando por trás.

— Fala Carolina, quando você vai chegando assim é porque tá querendo algo. — Já altinha de cachaça ela jogou a cabeça na minha frente com um sorriso safado no rosto.

— Então, tá sabendo quem é que vai cantar agora? — Arqueei a sobrancelha esperando que ela continuasse. - Um cara que é muito gostoso, e eu daria tudo pra sentar.

— Assim fica difícil, você quer sentar pra todo mundo. — Recebi um tapa em resposta o que me fez rir alto.

— Só que dessa vez quem fez o trabalho bem feito foi você. — Enruguei a testa tentando entender.

— Eu fiz? — Ela confirmou bebendo do copo dela quando as luzes principais foram apagadas deixando a iluminação baixa por todo local e no telão as letras foram formando o nome que roubou todo meu ar me deixando estagnada.

Qual era a chance disso acontecer?

''Filipe ret''

Abri a boca umas duas vezes quando um vídeo de apresentação de toda a trajetória dele começou a rolar fazendo todo mundo gritar. Mas foi exatamente no momento em que começou a tocar os primeiros acordes de ''corte americano'' que ele invadiu o palco, fazendo meu coração bater lentamente por uma fração de segundos.

E eu me vi vidrada em cada passo, em cada movimento, ao som da voz do homem que a dias atrás esteve bem ao meu lado, sem a armadura que hoje brilha no palco.

Caralho, Deus.

O que o senhor tá querendo aprontar comigo?

Sorrir abertamente me deixando levar pelas letras que incansavelmente ecoam pelos meus dias, recarregando minhas forças pra lutar contra os gigantes da vida.

Mas hoje, a energia que percorria pelo meu corpo deixando todos os meus pelos arrepiados, me impedindo de respirar com a maior facilidade pela euforia do momento, é totalmente diferente de tudo que já sentir.

Fechei os olhos quando a minha música preferida de todo repertório começou a tocar me levando a pular junto com a Carol que passou o braço por cima do meu ombro.

— Tô louco pra voltar, amenizar minha dor. Preciso relaxar
Hoje não vamos transar, Vamos fazer amor!

— Porra... — Foi a única que consegui expressar em palavras ao fechar os olhos e cantar com todo ar que exalava por meus pulmões.

Enquanto ouvia a voz dele vibrar fazendo tudo ao meu redor parar, era como se aquele momento nada fosse capaz de roubar a minha atenção.

Todos os meus sentidos estavam com ele.

E foi exatamente quando abrir os olhos que senti uma vibração me levando a olhar de volta na direção do palco, onde como se estivesse sendo puxado por um imã seu olhar percorreu por todo ambiente sendo levado exatamente ao local onde eu estava.

Eu não queria ser tão iludida ao ponto, mas eu sabia ...

Aqueles olhos estavam em mim.

Ele virou o rosto de uma vez ficando de frente na mesma direção que a minha, enquanto passava a toalha no rosto enxugando os pingos de suor que já tomava metade do seu corpo e sorriu abrindo os braços e sem perder o foco levou novamente o microfone a boca cantando do seu melhor jeito cafajeste.

— Mas você sabe, sempre luto contra o tempo. Enquanto estivermos lado a lado, aproveite cada momento, amor.

Sorrir em resposta cantando a última estrofe sem cortar nosso contato visual.

— Caralho, ele te achou no meio desse tanto de gente? — Gargalhou eufórica fazendo minhas bochechas esquentarem o observando se afastar e falar algo com alguém da equipe.

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