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Passamos o final do dia por lá, a melhor parte era ouvir as historias do Filipe pequeno enquanto ele tentava arrumar desculpa pra tudo, sem segurar o sorrisinho sacana de lado.

São momentos como esse que me faz perceber a importância de estar cercada por pessoas que realmente se importam com você.

Chegando no estacionamento do prédio, o Filipe desce primeiro pra pegar o Théo que dorme na cadeirinha enquanto eu pego minhas coisas.

Fecho a porta ouvindo ele acionar o alarme, caminhamos em silêncio até o elevador na intenção de não acordar o pequeno.

Assim que entramos em casa vejo a bagunça que ele fez em cima da cama, ele segue fingindo não ver nada enquanto eu largo tudo em cima do sofá de canto e me apresso em pegar as coisas dele espalhadas e jogar de lado.

— E depois não é bagunceiro, né? — Sussurro enquanto ele coloca o Théo no meio da cama.

Deixo o pai organizar os travesseiros na cama e me apresso pegando uma camisa larga e uma calcinha, louca pra cair embaixo do chuveiro e é o que eu faço.

Com os olhos fechados sentindo a água cair por todo meu rosto tento ao máximo desligar minha mente, por um mísero segundo, é a única coisa que preciso.

O que parece impossível.

O turbilhão de pensamentos que se formam um em cima do outro, não consigo focar em nada em especifico.

Quem poderia ter feito isso?

Primeiro a invasão na casa da minha mãe.

Agora isso

Suspiro sentindo as lágrimas sumindo aos poucos juntamente com cada gota de água que saí do chuveiro. O choro vem forte e eu me permito sentir na intenção de colocar para fora tudo que há dias está preso dentro de mim, me libertando do sentimento de insuficiência que se esvai pelo ralo, por alguns minutos.

Sou totalmente pega de surpresa quando escuto a porta do box sendo aberta. Continuo quieta encostada na parede com a testa colada a cerâmica gelada.

Eu não queria falar, não queria ter que explicar, não queria me sentir tão exposta as minhas vulnerabilidades como sinto que estou.

Permaneço do mesmo jeito, completamente perdida.

Sei que o Filipe está me observando, enquanto continuo imóvel.

Sem falar nada sinto seu corpo se aproximar do meu, e sutilmente suas mãos encostam na minha cintura me puxando aos poucos pra si, encosto minhas costas em seu peito e a cabeça em seu ombro.

— Tu tá ligada que ficar guardando as coisas pra tu só vai te deixar mal, né? — Sussurra em meu ouvido enquanto passa as mãos na minha barriga.

O silêncio se faz presente enquanto sinto a respiração dele bater de encontro a minha pele.

Engulo seco.

— Eu tento ... — Solto o ar pela boca. — Tento achar um motivo pra tudo isso, mas não consigo. — Engulo seco. — Não consigo acreditar que alguém seja capaz de agir contra mim na maldade, por pura satisfação.

Observo quando ele pega o sabão em mãos e começa a passar sutilmente pelo meu corpo, sei que por uma parte ele se sente culpado por essa merda toda.

— As pessoas agem conforme os interesses dela. Estão pouco se fudendo em ter empatia com o outro, ou tu se blinda das pancadas ou vai ficar sempre batendo cabeça e se machucando. — O tom da sua voz me faz perceber a confusão interna que deve estar sobre ele por não ter o controle da situação em mãos. — Nunca foi minha intenção te colocar dentro do olho do furacão que é a minha vida.

Antes mesmo que ele pudesse completar o raciocínio me viro ficando na ponta do pé segurando seu rosto em minhas mãos, seus olhos vermelhos, o cansaço estampado em seu rosto me surpreende.

— Nem pense em tentar se culpar por essa merda toda. — Nego de imediato. — Nada disso é culpa sua.

— Como não, Manuella? — Engole seco cortando nosso contato visual. — Só te trouxe problemas, porra. — Suspira fechando os olhos. — Até tua coroa te fez escolher entre mim e ela, como é que tu me diz que eu não só trouxe caos pra tua vida?

Enrugo a testa passando a língua pelos lábios sentindo o gosto salgado das lágrimas.

— Filipe, você foi o único que chegou pra quebrar todos os achismos e bloqueios que eu havia criado ao longo da vida. Se antes eu te admirava como artista, hoje eu te admiro como pessoa, como pai, como filho e principalmente como o homem que você é. — Passo as mãos em seu maxilar sentindo a barba começar a arranhar. — As atitudes de outras pessoas não podem refletir em nada no nosso relacionamento, para de tentar carregar o peso de tudo sozinho. Se eu ainda tô aqui é porque vai muito além do que acontece fora da nossa bolha.

— Tu não vai deixar mermo eu ir atrás de quem fez isso? — Abre os olhos novamente enquanto passa as mãos sutilmente nas minhas costas descendo pra bunda.

— E o que você vai fazer? Chegar no hospital e só confirmar o que eles estão achando que é verdade? — Com a maior carranca ele bufa me olhando de cima. — Só preciso que você me ajude com um advogado o resto eu me viro.

Sem falar mais nenhuma palavra sobre o assunto ele abre o chuveiro fazendo com que a água caia sobre nós dois, e pela primeira vez desde que estamos juntos tomamos um banho sem qualquer má intenção. O sentimento que eu tinha era que algo havia mudado entre nós, aquele papo de ter alguém pra se refugiar da guerra que acontece do lado de fora do nosso ninho estava acontecendo, era real aos meus olhos. Dessa vez não era mais um resquício da minha imaginação, era vivência minha, com alguém que está disposto a não soltar minha mão. 

De banho tomado, e já trocada minhas últimas imagens do dia após deitar ao lado do Théo foi do homem que eu tenho aprendido a amar a cada dia mais, sentado em frente ao computador com o fone de ouvido, um caderno e uma caneta na mão, dando voz a cada estrofe de sussurros e pensamentos freneticamente acelerados, sempre a um passo a frente de qualquer raciocínio sórdido que as vezes tenta dar espaço aos fragmentos de uma velha depressão.

Filipe sempre vai ser a luz acesa na madrugada em busca da sua própria redenção, a mesma que cruzou meu caminho me trazendo a verdade por trás da imensidão que para alguns é visto como fracasso, em um mero fato de estar apaixonado. O que pra mim, se tornou combustão.


(Um pequenininho pra matar a saudades)

ContramãoOnde histórias criam vida. Descubra agora