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Após aceitar a chamada, a sensação que eu tenho é de que todo o ar do meu corpo foi sugado me impedindo de respirar.

Sinto o nariz arder e a garganta travar quando o timbre da sua voz surge de uma maneira tão calma causando sensações distintas dentro de mim.

De repente, é como se toda a confusão que nos envolve sumisse por uma fração de segundos, intensificando o que venho lutando constantemente pra não sentir.

Saudades!

De repente a música que começa a tocar me faz querer rir, por ironia do destino.

A tua voz da Gloria sempre esteve presente na minha playlist diária, quando eu imaginaria que se encaixaria justamente nesse momento?

— Pensei que não fosse atender. — Engulo em seco soltando o ar pela boca aos poucos antes de responder.

— Talvez fosse o certo a se fazer. — Retruco me deitando sentindo meu pulso acelerado.

O silêncio surge me dando a oportunidade de ouvir sua respiração forte começando a me deixar inquieta.

— Olha Filipe, se você ligou pra falar sobre a entrevista, ou sobre ... — Ele me interrompe me impedindo de continuar.

— Não liguei pra falar sobre isso, a entrevista lá era tua, é teu o direito de falar, se expressar e contar a tua verdade. Nunca vou tentar calar a sua voz, Manuella, é o teu espaço e a tua carreira que tá sendo criada, o que eu puder fazer para o mundo conhecer a mulher foda que você é, eu vou. — Olho pra cima engolindo em seco sem saber ao certo o que falar.

— Então, o que você quer? — Enrugo a testa. — Não vou me contrariar diante de toda merda que aconteceu. Não dá pra fingir que tá tudo bem. — Me sento novamente sentindo o cabelo bater nas minhas costas. — Não depois de tudo que foi dito e principalmente da atitude ridícula que você teve com o Flávio e ainda foi pra internet igual um adolescente querendo chamar a porra da minha atenção. Ninguém é criança aqui Filipe, já tá na hora de parar de agir por impulso e ter consciência que tudo que você faz tem consequência, e foi exatamente isso que fez tudo acabar. — Suspiro com a quietude dele que me dói nos nervos.

— Porquê você não me contou que sua ansiedade piorou e começou a desenvolver depressão? — Levanto sentindo o coração apertar pelo assunto. — Eu tô ligado que eu fudi com tudo, isso ninguém precisa me falar, minha consciência já é minha própria condenação. Mas, porra .... — Engulo em seco ouvindo ele bufar do outro lado. Me sento no sofá abraçando minhas pernas. Como eu vou expor minhas feridas a quem foi o responsável por causa-las?

Sorrio fraco negando com a cabeça.

— Porquê eu não te contei? — Minha mente me leva a lembrar de todos os momentos que me vi no fim do poço, sozinha, sem saber lidar com o sentimento que se tornou uma metástase dentro de mim, atingindo violentamente cada parte do meu corpo, consumindo a minha mente, me levando a sofrer a cada lembrança que tinha dos nossos momentos juntos, onde por muito tempo me sentir pequena e insuficiente. — Como eu te contaria, Filipe? Como eu te contaria se você se tornou indiferente? Se quando eu não tinha nada e ainda sim te dei o meu tudo você se distanciou? — A voz embargada, as lágrimas que mais uma vez estão prestes a cair se tornou apenas um detalhe conforme eu falava e revivia a mesma sensação de quando tudo acabou. — Você deu prioridade a tudo, menos a nossa relação. O que a única coisa que deveria ser feito era sentar e conversar, você não fez, não até chegar e terminar tudo.

Passo a mão na bochecha molhada o que é em vão, já que o choro já é real.

— Nunca foi minha intenção te fazer sofrer. — Fecho os olhos soluçando. — Me perdoa por ter deixado toda merda que me envolve te atingir. Eu só ... — Suspira resmungando alguma coisa de fundo. Coloco a mão na boca tentando me manter em silêncio. — Não consegui lidar com tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo, me perdi no bagulho, me perdi dentro de mim. Joguei tudo que tava me sufocando dentro do nosso relacionamento. Nunca tive que ser inteiro pra ninguém além do Théo, meu jeito frio pra caralho sempre me levou a viver de metades, inibir a porra dos sentimentos me levou ao ápice da minha carreira ao mesmo tempo que me levou ao fundo dos meus próprios questionamentos trazendo a realidade o que sempre lutei pra não enxergar. Só que porra, nenhuma guerra interna tem o controle da minha mente como a angústia e esse sentimento fudido que é saber que eu te perdi. — Sua voz falha no final me fazendo se entregar de vez ao choro que a muito tempo estava preso dentro de mim, e eu chorei, expus toda a dor presa dentro de mim com ele na linha.

Não era baseado em sofrimento, dessa vez eu permitir que tudo que estava preso de ruim dentro de mim fosse embora. Pela primeira vez, sentir que foi um choro de libertação por tudo que ainda não tinha sido dito.

E não tinha ninguém além dele para ouvir os meus sussurros.

Respiro fundo tentando me recompor.

— Eu posso te perguntar uma coisa? Do fundo do meu coração? — Sussurro ouvindo ele confirmar. — Tudo que a gente viveu, todos os planos, e palavras que foram ditas em nossos momentos a sós, não foi o suficiente pra você? — Mordo o lábio inferior enxugando o rosto.

— Você vai botar fé no que eu vou te dizer? — Questiona forçando a garganta pra intensificar a voz que também estava embargada.

— Só me responde. — Retruco ouvindo sua risada fraca.

— O que eu sinto por você vai muito além de qualquer ligação que já tenha tido com alguém, Manuella. Meu casamento com a Anna, tudo que a gente vivenciou me tornou o pai que eu preciso ser pro Théo, forjou grande parte do meu caráter e me ensinou muito sobre princípios, minha ligação com ela vai ser eterna pelo nosso filho. Só que com você eu fui capaz de idealizar o que eu já nem acreditava mais, nesses papos de família constituída em laços de segurança, tá ligado? Saber que tem alguém em casa que sempre vai me ensinar o valor das coisas, trazer a minha essência quando a ilusão do mundo a fora tentar me cercar. O papo é que tu me fez voltar a acreditar na bondade das pessoas, e isso eu vejo nitidamente na forma que você trata o meu filho.

Sorrio fraco me sentindo mais leve por ter colocado pra fora o que tanto me sufocava.

— A vida continua, e eu sempre vou torcer pela sua felicidade, independente de qualquer coisa. — Me limito a dizer prestas a encerrar a ligação.

— Será que ainda vou ter a oportunidade de trocar uma ideia contigo pessoalmente? Sem esperar nada em troca, sacou? — Levanto sentindo a garganta secar, caminho indo até a cozinha pegando minha garrafa de água. Me encosto na pia sem saber ao certo o que responder.

— Quem sabe um dia. — Respondo ouvindo sua risada rouca do outro lado antes dele se despedir e desligar me deixando paralisada no mesmo lugar sem conseguir definir uma linha de pensamentos concreta.

Um pensamento em cima do outro vai se formando, sem me permitir chegar a lugar nenhum. Fecho os olhos jogando a cabeça pra trás imaginando onde e como ele deve estar depois dessa conversa.



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