Chorando no frio

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Uma das melhores coisas do inverno, mesmo no meio daquela extensa selva de concreto conhecida como Londres propriamente dita, eram as noites frias, escuras e estreladas. Começando bem antes do jantar e durando até o início do dia típico de trabalho, a escuridão caiu tão certa e profundamente quanto às temperaturas.

Ou assim foi o novo prazer que Evey passou a encontrar na temporada.

Enquanto a maioria dos cidadãos buscava jogos de inverno no gelo de rinques de patinação públicos; maravilhou-se com as exibições de luz crescendo a cada ano ao longo da costa do Tâmisa; ou entrava e saía correndo das lojas, deliciando-se com as liquidações da estação; eram aqueles que se sentiam em casa na escuridão, que agora herdaram uma porção muito maior da cidade.

E quando a neve caía, os parques menores se tornavam especialmente refúgios de solidão. Então foi aí que Evey e seu companheiro começaram a procurar suas diversões de inverno.

Já era 1h daquela noite, enquanto o casal caminhava por um caminho estreito. Nenhuma luz para guiá-los, exceto a lua e o reflexo que ela projetava em cinco centímetros de neve limpa e fresca. Nenhum som cortava o ar frio do inverno, exceto a conversa que compartilhavam e o barulho abafado de passos cobertos de neve.

Havia rajadas no ar novamente, mas V estava certo de que estariam de volta aos túneis antes que qualquer quantidade significativa pudesse cair. Assim, os pequenos cristais brancos tornaram-se uma fonte de diversão, capturados em luvas pretas, tanto dele quanto dela, para estudo e diversão, antes de derreterem em cabeças de alfinete de água.

Na verdade, eles logo estavam tão ocupados apreciando o menor espetáculo da natureza, que quase perderam o homem no distante banco do parque.

Descendo outra trilha, logo além das sombras das árvores nuas e cobertas de neve, algo se moveu.

Um sapato, nada mais. Um pé, fazendo um ajuste em cima do corrimão do banco.

O aperto de V na mão de sua companheira se fortaleceu instintivamente, detendo-a em silêncio. E ambos espreitaram através da extensão escura, esperando por qualquer sinal de reconhecimento do estranho.

—Eu não acredito que ele esteja bem— comentou V, muitos segundos depois, quando nenhum movimento mais foi visto. Além do mais, ele podia detectar o brilho do vidro curvo, próximo à neve. Uma garrafa, tornando a situação um pouco mais clara. —Eu ouso até dizer que ele está embriagado. Talvez tentando dormir para afastar a confusão? Escolhendo isso para sua cama noturna?—

—Ele não deveria estar aqui fora— Evey sussurrou com preocupação considerável. —Eles estão pedindo mais cinco centímetros esta noite. Ele não deveria estar aqui—

Se ela parecia surpresa, havia uma boa razão para isso. Tais ocorrências tornaram-se significativamente mais raras nos últimos anos, tendo o novo governo canalizado muitos recursos para a luta contra os sem-abrigo e a miséria. Isso simplesmente não era uma visão comum.

Sempre havia, é claro, a possibilidade de que ele estivesse apenas bêbado, embora tenha se "perdido" tão longe no parque... isso aumentava um pouco a imaginação.

—Temos que ver como ele está— ela insistiu. —Não podemos deixá-lo aqui—

V assentiu, já de acordo com sua companheira. Mas ele era cauteloso, sempre desconfiado de qualquer armadilha que pudesse estar à espreita. Não era nada mais do que a primeira regra de sobrevivência. E não importa o que aconteça, o lugar mais seguro para Evey era ao seu lado.

Havia algo muito surreal, Evey logo percebeu, em abordar uma cena tão desconhecida e inesperada. Algo enervante e profundamente perturbador na imagem diante dela. Um homem em um banco, sozinho contra a invasão do cobertor branco do inverno. Algo sobre isso incomodou Evey em um nível ainda mais profundo do que ela esperava, e muito além da pontada normal de apreensão que vem com o encontro com um estranho.

VIOLA - V de VingançaOnde histórias criam vida. Descubra agora