capítulo 28

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Dulce teve febre na manhã seguinte, efeito do aborto. Sua boca estava seca. Ela se retorceu na cama, o rosto soado, se encolhendo, quando a voz a buscou.

Nina: Não passa bem? – Perguntou, a voz feliz.

Dulce: Vá pro inferno… – Murmurou, a garganta grudando de seca – Você, ele, todos vocês… Me deixem em paz…

Nina: Eu queria que ele estivesse aqui para vê-la assim, caída, derrotada. Gostaria de ver o deslumbramento sobreviver a isso. – Disse, vitoriosa.

Dulce: Eu quero que ele vá para o diabo que o carregue. Você junto. – Disse, engolindo em seco. Estava ardendo em febre.

Nina: O que você pensou? Que ele assumiria o filho bastardo? – Dulce rosnou, mas estava fraca.

Dulce: Não fale do meu filho. – Ordenou, perdida na escuridão. Abrir os olhos lhe dava dor de cabeça. – Saia daqui, saia agora! – Nina riu – Eu vou me recuperar, e você vai pagar por isso. Eu juro por Deus, nosso senhor, que tu vais se arrepender de tê-lo feito, Nina.

Nina: Criar o bastardinho, colocá-lo ao lado de Bia como seu irmão, como seu igual? – Perguntou, debochada.

Dulce: Eu vou melhorar. – Ela riu de leve. Fazer aquilo foi como enfiar farpas de madeira debaixo das unhas – E eu vou ser sua sombra. Se acha sua vida ruim, eu vou transformá-la no inferno. Eu prometo. Me mate agora, enquanto o pode, Nina. Quando eu me levantar você vai pagar.

Nina: Isso é uma ameaça, vossa alteza? – Perguntou, debochada, e riu em seguida.

Dulce: É um aviso. Saia daqui. Agora. – Ordenou, se virando de costas.

Pelo som do riso se afastando, Nina havia ido. Mas Dulce não esqueceria. E o aviso estava de pé.

Dulce levou dois dias de cama. Nina não lhe levou comida, e ela só conseguiu beber água na madrugada do primeiro dia. Mas enfim estava bem.

Fisicamente.

Algo em si havia se quebrado, se partido, ido embora junto com seu bebê. Um sentimento desconhecido se apossou dela.

Nina pagaria, e Christopher… Ah, Christopher, porque você fez isso? Ela tomou banho e se vestiu, parando em frente ao espelho. Seus olhos pareciam estar sem vida, ter perdido a cor.

Tinha no rosto toda a maturidade que uma mulher pode ter; envelhecera 10 anos em 2 dias. Nina pagaria, mas contra Christopher nada ela podia fazer. A não ser…

Dulce: Pois que fique com o que gosta. – Disse, consigo mesma. A ânsia da vingança era o que a mantinha de pé.

E ela penteou o cabelo minuciosamente, com cuidado. Quando os cachos estavam sedosos sob seus ombros ela pegou uma tesoura no armário. Apanhou os cabelos, reunindo-os, e o cortou sem dó.

Ficou na altura do ombro, reto, sem os cachos, liso (o cabelo dela era liso na raiz e cacheava nas pontas. Como as pontas se foram ficara liso, como chapinha.). Ela viu seu cabelo enorme, nas mãos.

Apanhou um elástico e amarrou-o, guardando em uma gaveta. Haveria seu tempo.

Se olhou novamente no espelho. Seu rosto parecia ter envelhecido ainda mais com o cabelo curto. Ela jogou ele pra frente, e logo uma franja, também lisa, estava em sua testa. Seria essa a imagem que ela teria. Se ele amava tanto seu cabelo, ela não o teria mais.

Dulce: Bom dia. – Disse, de cara fechada, entrando na cozinha. Nina, uma das criadas e a cozinheira pararam olhando Dulce. Parecia outra mulher. – Bia já acordou?

Nina: O que… O que está fazendo? – Perguntou, meio suspensa. O rosto de Dulce não parecia o mesmo, não tinha mais aquela alegria fútil e irritante. Algo no olhar dela assustava.

Dulce: O que eu pareço estar fazendo? – Perguntou, retoricamente, apanhando uma bandeja – Alguém sabe dizer se a menina acordou ou eu preciso checar?

Nina: Eu não sei… Se você deve cuida-la. – Dulce parou, virando o rosto pra Nina. Parecia algo mecânico.

Dulce: É meu trabalho.

Nina: Ainda assim.. – Disse, receosa.

Dulce: A única pessoa que me fará parar é quem me fez começar. Mande que ele venha atrás de mim, se lhe apraz. – Disse, pondo a bandeja no lugar – Vou verificar se Bia acordou.

Dulce ia saindo, mas se deteve. Ela se aproximou de Nina, os olhos castanhos sendo duas pedras de gelo, e sua voz era mais fria ainda quando falou.

Dulce: Você realmente deveria ter me matado quando teve chance. – Disse em tom baixo, assim só Nina ouviu. E ela saiu.

Bia por fim estava acordada. Dulce voltou a cozinha e apanhou a bandeja do café, levando pra menina. Não tinha raiva de Bia, a menina era inocente, não sabia do que o pai havia feito. Nem saberia.

Bia: O que houve com você? – Perguntou, acanhada, largando o copo na bandeja.

Dulce: Estive doente. – Disse, sentada ali perto – Por isso não vim.

Bia: Me contaram que tu estavas doente. – Dulce assentiu, tentando esboçar um sorriso – Mas seu cabelo… – Lamentou, vendo o cabelo curto, reto, liso, e com franja.

Dulce: É mais prático assim. – Mentiu – Termine seu café. Poderemos brincar depois. Você não terminou os livros sozinha, terminou? – Perguntou, e Bia sorriu.

Bia: É claro que não. – Dulce tentou sorrir de novo. Falhou miseravelmente. – Você está bem?

Não houve uma resposta. Dulce estava longe de estar bem. Ela tinha dor, ódio e uma vingança violenta guardada dentro dela, isso não era bom. Mas cuidou de Bia o dia inteiro, brincando, tentando ser amável. Por fim a menina dormiu, após o jantar. Dulce retirou a bandeja e saiu, indo pra cozinha.

Nina:…Se ela enlouqueceu, não pense que assusta a mim. – Dizia, sentada a mesa, quando Dulce entrou.

Dulce: Que bom que eu não assusto. – Disse, pondo a bandeja em uma das pias – Medo não é bem o que eu quero de você.

Nina: Quem pensas que é para me confrontar assim? – Perguntou, exasperada.

Dulce se aproximou, sorrindo de canto. O sorriso estava mais morto que seu filho.

Dulce: Eu prometi o inferno, Nina. Eu vou cumprir. – Disse, se abaixando perto da outra para falar em seu ouvido. Ela olhava pra frente enquanto falava – Eu vou dizer o que vou causar. Uma palavra, três letras. Adivinhe.

E ela se levantou. Com o movimento rápido passou o pé nas pernas da cadeira de Nina, puxando-a. A cadeira virou e a outra caiu, levando o prato e o copo de sua janta, que caíram em sua roupa. Dulce a observou de cima.

Dulce: Ops. – Disse, erguendo a sobrancelha. E saiu.

Dulce não dormiu bem aquela noite. Ela precisava confronta-lo. Não importa quem ele era, ele não podia tê-lo feito! Na manhã seguinte se banhou. Pentear o cabelo foi quase desnecessário, ela só fez por fazer. Se vestiu e parou olhando sua imagem.

Foi então que ouviu o barulho de cavalos do lado de fora da janela. Se aproximou só por fazer, e viu a carruagem preta parada em frente a escadaria do castelo.

Dulce: Ótimo. – Disse, olhando os cavalos.

Ele havia voltado.

Apenas Mais Uma De Amor (Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora