Malva I

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MELANCÓLICO

A vida e os bons momentos costumam passar por nós mais rápidos do que trem bala. É como uma roda gigante: ora lá em cima, voando com o mundo a seus pés; ora embaixo, voltando a realidade e tendo de lidar com seu caos rotineiro. Por esses e outros tantos motivos é que Ian estava agradecendo a experiência gratificante que teve em casa, ao lado da maioria dos primos. Porém, já era hora de retornar, resgatar tudo aquilo que deixou para trás duas semanas antes.

E tinha coisas: Daniel, Gil, Ágata, Diógenes, aulas para as crianças... Sua cabeça dava um nó só de pensar. Tentava ser otimista, mesmo sabendo que não poderia agarrar o mundo com as pernas. Ficaria mais do que contente se todos saíssem o menos machucados possíveis de suas "encrencas". O foco, lógico, era seu primo. Para os demais, daria seu jeito. Estavam para inventar problema que o destabilizasse. Sua fé na vida e a força para se reerguer o motivavam a seguir em frente, lutando por si e por quem mais precisasse.

Pouco menos de dez minutos o separavam de sua querida Nova Petrópolis, lugar que adotou como lar assim que o primo para ali se mudou. O clima, as pessoas, o ar... tudo tão pitoresco. Pensava estar em uma cidadezinha de novela, tamanho espanto quando se dava conta de como até os desconhecidos eram conhecidos - somente por atravessar seu caminho por mais de uma vez por dia! Queria bem da cidade, e estava feliz por construir uma vida ao lado daquele que mais queria bem.

Seus pensamentos logo se direcionaram a ele. Torcia para tudo ocorrer bem, já que optou por se desligar de tecnologias enquanto estava fora. Sabia o quão fácil era para Daniel se meter em alguma encrenca, e sem auxílio de ninguém, o risco triplicava. Ainda sim, só pela ideia de ver sua alegria ao desembarcar do ônibus, munido de um sorriso contagiante único dele, seu coração aquecia. Já valia a pena todos os dias de confusão que teria de arrumar.

Assim que o ônibus estacionou na rodoviária da cidade, o coração do jovem deu palpitadas fortes, como um anseio, não só de vê-lo, mas de poder abraçá-lo, tocá-lo, beijá-lo... Aliás, lembrou-se do beijo. Como estaria sua cabeça depois daquilo? Tudo foi feito com tanto impulso da parte dele que conseguia ver seu olhar de cão arrependido, suas palavras de desculpas e sua mente cada dia mais se mostrando confusa. Queria ser otimista, mas, tratando-se de Daniel, sabia que era mais fácil caminhões virarem árvore.

Resolveria isso depois. Não era hora nem lugar para se lavar roupa suja. O que importava era o hoje, agora, e só. Tudo que antecedeu ficara no passado. O presente deveria ser o foco. E o presente remetia ao carinho que esperava receber do primo. No entanto, algo inesperado: Desceu do ônibus, encarou pelas redondezas a fim de ver seu amado, mas nada. Teria ele esquecido? Talvez tinha feito errado em não mandar mensagens comunicando - ou relembrando - de sua volta. O grande problema é que isso nunca se fez necessário, afinal Dan contava os minutos para revê-lo. Qual motivo o levaria a simplesmente não aparecer?

— Ian! — Ouviu a voz da tia clamando seu nome. Empolgou-se como uma criança em uma loja de brinquedos, mas durou segundos — Querido! Como foi a viagem?

— Fala, tia! — Tentou não transparecer sua decepção, devolvendo com um sorriso que pendia para o falso. Não que o fosse, só reprimia seu verdadeiro sentimento — Foi tranquila. Nada demais.

— Ainda bem. Eu fico numa aflição quando vocês viajam de ônibus. Entro em avião e não em ônibus. Acredita?

— É bem mais comum do que a senhora pensa, tia — Deu mais uma vasculhada, na esperança de ainda ver Daniel. Quando percebeu que os tios foram caminhando até o carro, seguiu-os, perguntando: — Dan não veio junto?

Isabel e Bruno se encaram, constrangidos. Sabiam que aquilo fatalmente aconteceria, só torciam para, por um milagre, terem uma boa explicação para dar ao sobrinho.

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