CORAGEM
Não são raras as ocasiões ao longo da vida onde precisamos ser puxados de dentro da caixa na qual nos enfiamos, numa tentativa desesperada de livrarmos nossa cara das malfeitorias do mundo. Novos terrenos, reações inesperadas, inimigos surgindo no horizonte... tantas coisas que nos fazem questionar nossa própria afoiteza de reagir, encarando as situações de frente, temendo apenas não fazê-lo.
Acordando naquela manhã de segunda-feira, dois dias após a visita de Sabine, Daniel estava disposto a fazer aquele jogo virar, ou, pelo menos, morreria tentando. Ainda sentia uma forte mágoa lhe pressionando o peito para permanecer onde estava. O pai não ter lhe dado uma chance de defesa era seu calcanhar de Aquiles, desequilibrava seu sistema o qual, até então, vinha se adaptando bem aos novos tempos. No entanto, as palavras de Sabine fermentaram em sua mente, fazendo-o sentir necessidade não só de jogar fora a dó de si mesmo, como também se reconectar com as suas verdades. Ora, se acreditava no amor por Alisson, não havia o que temer. Simples.
Arrumou-se, pegou sua mochila e desceu para tomar café quando notou a presença de Ian à mesa. Não pôde ficar mais feliz com a vinda do primo, correndo para abraçá-lo. Ele tinha também seus méritos nisso, com sua filosofia de vida que ia na contramão do senso comum, criando suas próprias verdades e provando o valor delas. Via nele o reflexo de alguém cuja liberdade acontecia simultaneamente tanto de dentro para fora, como de fora para dentro. Um pássaro a voar para onde bem quisesse, sem pressa ou pressão. Apenas seguindo aquilo que mandava seu coração.
Num primeiro momento, já sentados tomando seu café, Dan procurou pedir desculpas pelas poucas palavras, mas justificando ter sido um golpe duro demais para si. O mais velho sorriu, pegando em sua mão, garantindo compreender a fase pela qual estava passando, até por ele mesmo estar praticamente em igual condição emocional que o primo. O menor retribuiu, lembrando todas as vezes onde precisaram ser o suporte um do outro, citando a ocasião de um assalto sofrido por Daniel muito tempo antes e o término com Gil (mesmo que, à época, não soubesse de quem se tratava). Unidos, foram vencendo obstáculo por obstáculo, enfrentando quaisquer tempestades, sabendo que, no fim, ainda teriam um ao outro sempre.
— Também nem sei se adiantaria ficar batendo boca — o mais novo deu de ombros — Tudo já tinha acontecido mesmo. Acho que precisava desse tempo pra mim, saca?
— É bom pra reorganizar as ideias. Até pensei em não vir, mas era mais forte que eu — confessou o mais velho — Fico feliz de te ver dando os primeiros passos de novo. Bateu um medo de tu regredir demais e ter que passar tudo de novo...
— Bah! Nem fala isso! — contestou, rindo — Nunca mais quero ter que viver aquela m*rda de novo! P*ta que p*riu!
— Mesmo que fosse o caso, tu ia conseguir — garantiu — Tu tá mudando, Dan. Devagarinho, no teu tempo, mas tá. Caso contrário não teria nem ido atrás do Alisson. Espero só que tu continue levando isso pra tua vida. Vai ver que vai te ajudar um bocado.
Sabia que tinha razão. Todas as vezes nas quais optou por negar os fatos acabou pagando com juros o preço de sua cegueira voluntária. Quando, após diversos avisos do universo, resolveu se render, percebeu que nada acontecia por um acaso. No pulsar do coração, existe também uma virtude, um sentimento cristalino como água e forte como uma correnteza. Ir contra isso é sabotar sua própria felicidade. Passado tanto tempo, aprendera a lição.
E se outra lição poderia ser tirada daquilo, não duvidava ser a falta de Alisson para alegrar seus dias, criando provocações, picuinhas bobas só para vê-lo irritado, mas que, no fim das contas, mais divertiam do que geraram ira. Estimava a presença dele, pois, mais do que um simples flerte que fazia bem ao corpo, era alguém cujo coração estava em suas mãos completamente, entregando-se sem medo de ser julgado ou condenado por isso. Nem mesmo a possibilidade de um problema maior com Isabel e Marisa lhe acovardou. Botou a cara a tapa por eles. Não achava justo lhe negar uma retribuição.
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A Teoria Das Cores
Teen FictionO que seria do verde se não fosse o amarelo? Essa clássica pergunta nos faz pensar em todas as coisas que mesmo diferentes nos unem. E será o diferente que irá unir a vida de Alisson e Daniel, rapazes problemáticos que de repente verão suas vidas ci...