Laranja VI

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DIVERSÃO

Atravessar o dia-a-dia com um sorriso no rosto, ao mesmo tempo carregando uma história de vida cheia de dores, mágoas e indecisões, por muitas vezes, pareceu uma tarefa árdua de ser cumprida. Alisson, por vezes, conseguia realizá-la, ainda que alguns percalços fizessem questão de aparecer para provarem que não podia impor sua vontade sempre. Mas naquela manhã de sexta feira, acordou com uma ponta verde de esperança e ânsia de fazer acontecer.

Vestiu sua camiseta de banda, deu um jeito na barba rala que teimava em crescer em seu rosto juvenil, arranjou tempo até mesmo para dar um trato em seu cabelo com um pente enquanto não fazia uma visita ao cabeleireiro (algo nem tão comum assim, apesar do trabalho no "Wunder Bar" lhe exigir uma certa formalidade).

Marisa, quando viu o filho chegando no andar debaixo, estranho seu bom humor, dada a hora da manhã a qual acordara. Encarou aquela figura como quem vê um estranho pelado na rua, sem saber se ria, tremia ou corria. Al lhe deu bom dia, sentou a seu lado na mesa, puxando inclusive assunto — queria saber a razão de ainda estar em casa. A mãe foi entrando no clima descontraído mesmo desconfiada, pois não sabia o que esperar daquilo. Talvez por conta do desconhecido sempre causar um certo desconforto, a saída de uma rotina morna para algo grandioso e fora do comum.

Tomaram o café com aquela aura tão suspeita pairando sobre suas cabeças, sem qualquer tipo de explicação ou motivo mínimo aparente. Marisa conhecia bem aquele garoto rebelde o qual deu à vida dezoito anos antes — seus rompantes de bom humor eram sempre cercados de alguma "arte", desde criança era assim. Observou-o dos pés à cabeça, na expectativa da primeira prova que o comprometesse. Como foi um fracasso na busca, resolveu ser mais objetiva, mandando a sutileza as favas.

— Pode-se saber qual a razão do patrocínio comercial pra pasta de dente? — questionou, irreverente, arrancando uma risada sincera do filho.

— Ué, não se pode mais ser feliz? — retrucou, no mesmo tom.

— Sem razão, soa como loucura.

— E eu aparento ter surtado de vez agora?

— Sim — debochou.

O menino gargalhou enquanto mexia o café na xícara e o encarava, lembrando do dia anterior e como ter conseguido ajeitar as coisas com Daniel fez a diferença. Um tanto irônico para ele, pois sequer tinha certeza de tudo ficar bem por conhecer o gênio do cão com o qual tinha se embestado a bater de frente. Não se arrependeu, afinal, os fins haviam justificado os meios.

A mãe seguia no aguardo de uma resposta enquanto os devaneios e sorrisos deste o levavam para alguns metros longe dali. Marisa, como raposa combatente em anos de experiência, sabia bem o motivo daquilo. Fato curioso a ela, pois nem mesmo a moça mais simpática a qual o filho escolheu ser sua namorada tinha lhe proporcionado um êxtase tão platônico. Tinha absoluta certeza de, fossem quem tivesse sido, havia arrematado aquele coração rebelde de jeito.

Mesmo com dó no coração por ter de atrapalhar a "viagem" do filho, Marisa encostou sua mão de leve em seu braço para trazê-lo de volta a realidade. O rapaz voltou um tanto quanto desligado, demorando alguns segundos a se reestruturar. Ao notar a mãe lhe fitando com olhar de mãe coruja, e ciente de sua possível insistência, acabou por falar uma "verdade mentirosa" — o misto perfeito entre fatos verídicos e mentiras muito bem articuladas.

— Vou passar com o qualitativo máximo esse ano... Em algumas matérias — enfatizou, brincando. Como esperado, a mulher pegou-o no pulo.

Marisa suspirou, pegou as duas mãos do filho e olhou bem fundo, fazendo-o sentir como se o visse nú diante de tudo aquilo que escondia e omitia, por vezes, até de si mesmo. Suas mãos começaram a soar frio, mas a mãe prosseguiu segurando-as carinhosamente, a fim de mostrar que estava ali como amiga, não juíza.

A Teoria Das CoresOnde histórias criam vida. Descubra agora