Rosa Claro III

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DELICADO

As dores que sentimos no coração costumam deixar marcas profundas, quase crateras, as quais vão se fechando com o passar do tempo, limpando as feridas e lavando a alma. Ainda que não fossem problemas seus, originados por reflexo de decisões suas, o acontecido a Diógenes e o sofrimento de Dan foram dois grandes baques. Se tinha algum conforto, este capaz de levá-lo a dar seguimento em sua vida, era saber que a vida nunca erra. Tem seus tropeços, se mostra por vias improváveis, mas errar jamais. Aconteceu o que precisava acontecer. Ponto.

Acordar todo dia e repetir isso frente ao espelho sem se atribuir alguma culpa ainda se mostrava complicado. Custava algumas boas doses de coragem e consciência, mas já se saia bem. Visitava o primo todos os dias, foi no cemitério colocar flores no túmulo de Diógenes... O retorno às aulas do Instituto Claire de Lune seria uma pedra imensa sob seus ombros, mais por conta da aura do rapaz estar muito presa lá do que propriamente pelo trabalho. Fosse por isso, seria uma distração, um alento por algumas horas, onde desligava-se de tudo e focava apenas na sua tão amada música.

Por hora, ocupava-se apenas dos trabalhos da faculdade, os quais não eram poucos. Compreender noções históricas das manifestações culturais, apesar de interessante, podia ser bastante complexo caso não compreendesse todos os detalhes de sua formação. Tentava extrair o máximo que conseguia de foco daquelas atividades, pois, na pior das hipóteses compreenderia bem os processos de criação da música e suas variadas composições.

Estava concluindo um deles quando uma chamada de vídeo apareceu em seu celular. Surpreendeu-se ao notar ser Andreas. Depois da troca de farpas, sequer haviam dito uma palavra um ao outro, na tentativa de respeitar, ao menos, pelo ponto de vista de Ian, o tempo necessário do primo mais velho para entender suas razões e propósitos ao ir visitá-lo em Pelotas. Com aquele gesto, tomou para si que algo mudou. Dava graças que para melhor, já que era mais fácil um jacaré virar vegano a Andreas dar o braço a torcer.

Atendendo a chamada, sequer ouviu um 'bom dia'. Logo foi questionado sobre a história de Daniel e toda a sequência de acontecimentos culminados em seu afastamento de casa. Ian ficou com um ponto de interrogação estampado em sua face. Não compreendia como a história poderia ter chegado nele. Pressionado a respeito, o mais velho se viu obrigado a confessar sobre a ligação feita por Isabel a Nita, mãe de Andreas, confidenciando em regime de Estado que a história ficaria apenas entre elas. Ian não aguentou o riso fraco, perguntando-se como não havia deduzido aquilo antes. Acabou confirmando, acrescentando que, apesar da coisa ter ficado apenas em palavras, ambos, tanto Bruno quanto Daniel, estavam sangrando por dentro.

Deve tá sendo f*da pra ele, afinal, já foi um parto pra assumir que gostava de guris, imagina saber que o próprio pai o rejeitou desse jeito...— comentou o mais velho, coçando a nuca.

— Eu gosto de pensar que tio Bruno é um cara bacana e vai acabar reagindo uma hora ou outra — Ian respondeu — Sempre se deram tão bem. Não vai ser isso o responsável por apagar tudo.

Lembra quando foi minha vez de falar pros meus pais a barra que foi? — recordava — Sinceramente, achei que minha mãe ia desidratar de tanto chorar. Isso que tu tava fazendo meio de campo! Imagina se eu tivesse que lidar com aquilo sozinho!

— É, o Dan ainda tá muito apático. Parece que o corpo tá aqui, mas a alma se perdeu no véu, sabe? Já vi ele assim outras vezes, mas não consigo me acostumar...

Teu apoio nesse momento deve tá sendo importante, né?

— Acho que sim — deu de ombros — Mas ter um namorado nessas horas também é vantajoso. Um que cuida e protege ele, então...

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