Roxo Escuro I

2 0 0
                                    

INTROSPECTIVO

Aquela segunda feira começara com um certa paz, rara na vida de Alisson e Daniel. Sabiam a tortura que os aguardava com o retorno das aulas, e o ar gélido presente no quarto apenas alimentava a vontade de fazer jus ao hino nacional: dormir eternamente em berço esplêndido. Cada qual se enrolava mais para dar o primeiro passo. No entanto, alguém havia de fazê-lo. Ao notar que o amigo sequer fez menção em abrir as pálpebras, Al o chacoalhou, ainda em cima de sua cama (Dan dormia em um colchão, bem ao lado). Ouviu o resmungo. Tentou novamente, outro. Quando a terceira tentativa começou, o menino deu um tapa em sua mão, fazendo-o rir de sua expressão de bode amarrado.

— Vai cair a língua se chamar meu nome, c*r*lho?! — Essas foram suas primeiras palavras do dia.

— Bom dia pra ti também, pateta — Ironizou, enquanto esfregava seus olhos. O sono, por mais distante que parecesse, tentava-o a voltar.

— O que tu quer?

— Temos que levantar. As aulas começam hoje esqueceu?

— Ah... — A expressão seguiu blasê, como se fosse insignificante — E daí?

— Daí que eu acordei e vou pra aquela b*sta e tu vai junto. Simples — Sentou na própria cama, espichando-se e arrancando as cobertas de Dan — Anda. Vai se lavar.

— Me dá, c*r*lho! Tá frio! — Reclamou, iniciando um cabo de guerra com a dita cuja.

— F*da-se! — Não parecia querer facilitar — Vai logo!

— Não!

— Vai!

— Não!

— Eu vou soltar e tu vai dar de costas no colchão. Tô avisando.

— Me—

O tempo não foi suficiente para concluir a frase — Al cumpriu sua ameaça. Soltou a coberta, fazendo Dan cair com tudo. Sua sorte é não estar de pé, e sim sentado. Ainda sim, foi o suficiente para emburrar, levantar da cama e seguir até o banheiro.

— Lava essa bunda direito, hein?! — Brincou o outro.

Recebeu um dedo do meio como resposta singela. Não se importava, rir ainda era uma opção aceitável. Gostava de como o amigo perdia a paciência fácil. Era como um cristal, sensível a qualquer pressão mais forte. Isso mexia com seus instintos de criança bagunceira.

Ao ouvir o barulho do chuveiro ligado, viu sua mente divagar por entre a lembrança do dia anterior. Não tinha o sentimento que presumiu que iria tomar conta de seu ser. Muito pelo contrário, a inexplicável vontade de provar do "fruto proibido" do rapaz deixava-o inquieto, atento a qualquer brecha e analisando todas as possíveis formas daquilo não parecer algo mais do que deveria. Talvez — ou até mesmo afirmando com convicção — suas maiores dúvidas giravam em torno de um : Por quê? Por que aquele momento? Por que um rapaz? Por que Daniel? Quanto mais próximo ficava das respostas, menos queria saber delas.

Lembrou-se de dias antes com Gil. Incrivelmente, aquilo não significou nada dentro de seu coração. Foi como provar açaí e ficar irrelevante perante ao entusiasmo dos demais. A experiência, mesmo chocante para sua (já frágil e inexistente) heterossexualidade, pareceu tão corriqueira, "boba", tanto que sequer sentia tesão com as lembranças. E tinha... Várias por sinal. Na noite passada queria mais do que tudo reviver aquilo, todavia, com maior voracidade, desejo... paixão talvez? A mente queria negar, ainda que seu corpo desse sinais do contrário.

Não teve tempo de pensar em resolver tal problema, pois a vida se encarregou de lhe pregar mais uma peça. Do banheiro, pôde ouvir quando a voz do amigo ecoou pedindo pela toalha. Havia esquecido de pegar alguma emprestada. O tanto de pragas que rogou pela travessura certamente beirava o número de micropartículas no universo. Procurou por entre as gavetas com o mínimo de vontade possível, não querendo ser obrigado a entrar num ambiente em que seus instintos poderiam fugir de seu controle. Claro que pouco adiantaria, mesmo assim a tentativa era válida.

A Teoria Das CoresOnde histórias criam vida. Descubra agora