Vermelho

2 0 0
                                    

PAIXÃO

(Protagonista: Daniel)

Encontrar algo pelo qual se dedicar era mais do que meramente ocupar o tempo ocioso com bobagens sem fundamento, ou incapazes de proporcionar aprendizados significativos e momentos de alegria. Trata-se de um vínculo profundo, um elo fino entre a razão de existir e a autodescoberta, criando novos olhares sobre si mesmo e sobre a percepção do mundo.

Sexta feira, 29 de outubro e Daniel esmerou-se em repassar a coreografia das três músicas as quais precisavam para a competição na manhã seguinte. Quando chegou do trabalho, sequer comeu alguma coisa para evitar passar mal durante o treino. Subiu para seu quarto, ligou a música em seu notebook, começando então a repetir tudo o que ele e Alisson haviam treinado a semana inteira nos intervalos das aulas, a fim de fixar aquilo e seu corpo repetir quase como reflexos após tanto foco e determinação.

Começou pelas músicas do torneio, afinal de contas, apesar da apresentação de abertura ser o cartão postal do que viria a seguir, considerava que na hora H a validação seria a performance junto aos demais membros da equipe, portanto, um erro de cálculo colocaria em risco o grupo todo. Querendo evitar esse peso sob seus ombros, durante duas horas e meia ensaiou até seu corpo dar espasmos pedindo clemência, mesmo porque a de abertura havia ensaiado ao longo da semana com Alisson várias vezes.

Enquanto estava sentado tomando fôlego, ouviu alguém batendo em sua porta, com a voz de seu pai ecoando ao fundo. Liberando sua entrada, Bruno aproximou-se de braços cruzados e com um sorriso nos lábios, comentando a surpresa de ver o filho tão comprometido. Dan ri, brincando com o fato de ser muito bom poder dançar e canalizar suas energias em algo tão bacana, apesar de, em virtude dos óculos, ser uma pedra no seu sapato. O pai acompanhou o filho na risada, garantindo a ele que pode tirá-los quando for competir, até para não se machucar.

Aproveitando a deixa, Bruno sentou ao lado do filho e encarou seus olhos por trás dos óculos e perguntou-lhe se estava seguindo seu sonho. Dan sequer titubeou ou pensou melhor, garantindo ao pai que, apesar de não saber o que a vida estava reservando para si, tomava a liberdade de acreditar que aquilo era um treino para o futuro como dançarino. Bruno ficou com a cara no chão pela frase, comentando, inclusive, o quão parecido com Ian havia ficado. Dan segue na brincadeira, alegando que algo do primo precisava ter aprendido após tanto tempo de convivência. O homem insistiu ao filho que, além dessa lição aprendida, jamais desistisse fácil daquilo desejado por seu coração da forma mais íntima, pois, uma vez feito isso, a vida se tornaria um fardo e não uma bênção.

Ouvir aquelas palavras vindas de seu pai traziam um alento para momentos tão complexos como o qual vivia. Fora a própria competição, a vida a dois com um rapaz e esconder esse segredo até às últimas consequências, perpassaram o limite de aguentar aquilo dentro do peito sem machucar ou causar feridas mais profundas. Tornavam-se rosas, ao mesmo tempo em que perfumavam e encantavam, seus espinhos perfuravam quem os tocasse. O conselho valioso vinha na hora certa, quase como, de algum jeito, soubesse o que se passava, garantindo assim estar tudo bem, que era uma fase e iria passar.

Começou até mesmo a cogitar a hipótese de contar logo de uma vez sobre a história com Alisson, ou, se não chegasse a tanto, ao menos sobre a possibilidade real de não se envolver somente com garotas. As palavras tanto de sua tia Marcella quanto de sua mãe assombravam sua cabeça, relembrando-o do quão mais aquilo seria protelado até que se esgotassem os recursos. Afinal, elas tinham suas razões de acreditar no fato de, como pai, ter prioridade no conhecimento da vida do filho. Ouvindo palavras tão prósperas e verdadeiras, sua consciência apitou um alerta para tal fato, encerrando o ciclo das descobertas e livrando-o daquele peso.

A Teoria Das CoresOnde histórias criam vida. Descubra agora