Rosa IX

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ACOLHIMENTO

Às vezes, por mais que se expliquem, não há esforço no mundo que faça certas ações terem um peso menor sobre a alma humana. Esta, sempre uma uma tênue linha, com facilidade absurda de ser penetrada por o mais ínfimo grão de areia com poder de uma rocha. Ian bem tentava remar contra a maré vinda tão próxima de si, mas seus braços já não davam conta. Pela primeira vez na vida estava esgotado.

Sempre teve em Daniel a certeza de uma vida mais tranquila, algo sólido que estaria ali independente das tempestades. Entretanto, sabia que, de certa forma, isso nada mais passava de uma ilusão criada para suportar a terrível verdade dele não poder ser seu, por várias razões. Primeiro por ser hétero, depois pela insegurança e agora pelo coração dele ser de outro. Não impediria-o de viver aquilo pelo que considerava puro egoísmo seu, tampouco conseguia evitar se machucar em decorrência disso.

Chegou a tal ponto que não pôde mais esconder isso sequer do seu ambiente de trabalho. Desde quando havia entrado no Instituto àquela manhã, Manolo, seu chefe, teve um olhar minucioso sobre suas ações. Viu-lhe se esforçar para manter a boa aparência, o estilo de sempre. Porém, viu no olhar dele uma aura perdida de quem tentava encontrar uma nova rota em um mar que já lhe era desconhecido. Ele bem tentou ministrar a aula com empenho, paciência e amistosidade, conseguindo com êxito até, mas não foi suficiente para deixar omissa sua condição.

Logo que encerrou a primeira turma daquela manhã, guardava os instrumentos e partituras como de costume, quando viu o chefe pedir licença para entrar, tentando chegar contando piadinhas e elogiando seu trabalho a fim de deixar o clima mais alto astral. Procurou não enrolar muito, indo direto ao tempo depois de "quebrar o gelo". A resposta do garoto seguiu a linha do questionamento: alegou que certos momentos da vida todos passamos por um complexo período de reflexão e, de certa forma, luto pelos caminhos escolhidos pela vida, mas que em breve retomaria tudo com a garra que sempre teve. Mesmo com certo temor se iria se concretizar ou tratava-se apenas de um desejo íntimo do funcionário, Manolo desejou melhoras antes de se retirar, torcendo para seu rápido restabelecimento.

Outro desavisado do assunto foi Diógenes, a quem simplesmente adentrou na sala contando feliz sobre a oportunidade surgida para tocar em Gramado com sua turma, aproveitando para agradecer aos ensaios, percebendo que seriam de grande ajuda no tal evento. O menino não parava de tagarelar do assunto, nem se dando conta de que Ian nem prestava atenção em suas palavras. Não por ignorância, inveja ou afins. Só não estava para conversas. Tanto que, já no limite de suas forças, interrompeu o rapaz e pediu se poderiam conversar quando fosse a sua casa. Dio, estranhando o gesto, questionou-o a respeito, tendo a resposta de que sua próxima turma começaria em alguns minutos e tinha de trocar os materiais utilizados. O outro concordou sem problemas, ainda que sua mente ficasse um tanto quanto surpresa pela expressão dele.

Como não era seu dia de sorte, até Andreas resolveu ligar aquele horário. Perguntou-se qual a razão de estar sendo testado daquela forma pelo universo, sendo que seu único pedido era o mesmo de sempre: paz. Atendeu com voz quase sonolenta, para tentar de forma desesperada, fazer o primo compreender que não estava muito no clima. Para seu infortúnio, o rapaz sequer deu bola. Tratou de ir questionando a razão de Gil estar ali, inclusive lhe acusando de ter pedido para ele apenas para ficar bisbilhotando sua vida. Sem querer, o mais novo começou a rir do destempero da fala dele.

— Que história é essa, Drê? Tu não tinha voltado pra Porto Alegre e o Mica ia pra aí?

— Pedi pra ficar mais uns dias. Daí ele acabou voltando pra casa. Mas não muda de assunto, c*r*lho! O que esse guri faz aqui?

— Por acaso tu te lembra que eu e ele terminamos?

— F*da-se! Pelo jeito dele e o que eu conheço de ti, não parecem estarem tão afastados assim!

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