Roxo VI

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Imprecisão

O medo é sentimento mais angustiante e fascinante o qual somos capazes de perceber. Ele entra dentro de nossas cabeças e nos deixa como animais domados a mercê de seus caprichos. Essa experiência é uma das coisas que nos tornam humanos, seres pensantes, ativos, capazes de distinguir o certo do errado, porém, incapazes de controlar o mundo a sua volta. Daí nasce o medo: a incerteza frente ao desconhecido.

Não era exagero dizer que Alisson conhecia bem este ponto cego colocado pelo destino na vida humana. Escutar, compreender e estabelecer uma estratégia de sobrevivência a bomba relógio que seu coração se tornou nos últimos dois meses foi tarefa além de simplesmente difícil: uma verdadeira lavagem cerebral, um reset em tudo vivido até Junho e um deturpado recomeço ao beijar Daniel.

Como conseguir fazer isso sem ter vontade de surtar e jogar tudo para o alto? Não sabia responder. Gostava de acreditar ser a força de seu caráter, a garra que tinha dentro de si para não deixar nada sem resposta ou explicação. De fato, uma série de fatores externos contribuiu, e, no fundo, sabia disso. Gil, principalmente, e sua estranha forma de "lecionar" como era o mundo além da pequena bolha onde viveu a vida inteira. Por pura ironia, encontrava-se na casa do "Mestre Mór" do assunto, aquele a quem seu próprio mentor aprendera todas as lições repetidas a si: Ian.

Conhecia o garoto de vista, tendo poucas e pontuais vezes trocado meia dúzia de palavras. A fama de paquerador irreverente chegara a seus ouvidos por mais de uma vez, fosse por Dan ou por Gil. Não lhe causava medo, afinal de contas, quando ele pediu para que zelasse por seu primo, nem de longe parecia ter segundas intenções. O "x" da questão, ao menos aquela altura dos acontecimentos, era, de fato, o quão disposto ele poderia estar para interceder na vida do outro e se conseguiria lidar com o fato.

Por ter acordado tarde, passado das dez da manhã, perdeu sua tão preciosa aula de música do sábado. Se isso, por um lado, foi motivo para chateação, de outro lhe deu a oportunidade perfeita de colocar bem tudo em pratos limpos com o menino de olhos azuis. Sabia que ele era a peça chave naquele quebra cabeças e o único capaz de fazer algo por ele. Passou devagar pela porta do quarto dele e deu graças ao notar sua ausência, deduzindo então que o barulho de colher mexendo na xícara no andar debaixo só podia ser ele.

Desceu sem muita pressa de chegar. Queria causar uma impressão melhor, chegando com ar relaxado, good vibes, tal como Ian era, mas nem tanto, afinal sabia que não conseguiria encarar tudo com tanta naturalidade. Ao menos, não se condenava por tentar. Ao vê-lo, o mais velho desejou-lhe 'bom dia', sendo retribuído no mesmo momento. Pegou a primeira xícara que seus olhos foram capazes de encontrar, lavou-a e preencheu até a metade com café e o resto com leite. Qual não foi sua surpresa quando Ian puxou assunto, dizendo para ele ficar tranquilo pois seus tios foram para a casa de Ronaldo e Marcella e aguardariam por eles lá para almoçar. Al agradeceu, mas afirmou que iria para casa logo depois do café caso eles não se importassem.

Ficaram mais alguns minutos em silêncio, tempo suficiente para Al tomar coragem de falar a respeito. Desde quando viu o vídeo no celular de Gil, alguns questionamentos lhe viam a mente. Com tantas loucuras, acabou por deixar isso de lado, porém, não via o porquê de evitar ao menos tentar tocar no assunto.

Ian sorriu, deixando-se ser tomado pelas lembranças de um tempo mais simples, onde seus sentimentos pareciam mais organizados e sua vida completa. Comentou sobre como tinha conhecido o ex, seus primeiros contatos, as brigas por conta de filmes para assistir nas sextas feiras... memória envelhecidas com graça e cobertas pelo mesmo amor e cariho daqueles dias. Os lábios negavam-se a fechar, sempre mantendo sua alegria por ter construído cada uma daquelas cenas marcantes.

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