Ametista II

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PAZ DE ESPÍRITO

De todas as cenas possíveis e imagináveis para Alisson e Daniel, aquela nem de longe passava perto de ser realizada pelos dois. Após tantos dilemas, problemas internos e externos, de alta e baixa gravidade, encontravam-se nús e abraçados na cama do mais velho sem dizer uma só sílaba. Afinal de contas, as palavras não cobriam a extensão de um fato daqueles, servindo mais para atrapalhar do que para ajudar.

Ainda decifravam o ato recém realizado, encarando-o como o tirar de sanidade, esta jogada aos corvos. Não havia mais qualquer possibilidade de reversão ou regressão. A escolha tinha sido feita e sabiam precisar encará-la com peito aberto e muita força de vontade, afinal, viver em uma redoma onde só os amigos próximos e as mães sabiam de seu feito era insustentável. Conviviam com outras pessoas, analisavam o olhar crítico delas sobre si mesmos, então precisavam reagir às consequências, fossem boas ou não.

Alisson era quem mais pensava a respeito. A atitude de Daniel, tão firme e decidida de terem a primeira transa juntos, não bastava para assegurá-lo quanto ao resto do processo. Muita água precisava passar por debaixo daquela ponte e seu ficante precisava estar ciente disso. Uma vez colocado investimento, achava justo e coerente remarem juntos até o fim, mesmo porque em momento algum forçou para que fizessem aquilo. Quando muito insinuou, deixou a vontade para ele decidir. Como acabara de fazer, o peso, oficialmente, começava a ser dividido entre os dois..

— Sabe que não tem mais volta, né? Pra nós — murmurou enquanto afagava sem pressa os cabelos ondulados e quase crespos dele.

— Tô sabendo. Tava pensando nisso agorinha — revelou o menor, virando a cabeça para encarar o mais velho — Meu c* também tá confirmando, só pra saber.

Riu, bagunçando um pouco mais os cabelos dele.

— Pateta, pateta... — deu um beijo em sua testa — Será que é assim que os drogados se sentem? Tipo... quando fumam um?

— Deve ser — deu de ombros — Me sinto dentro daquele livro que a professora encheu o saco no início do ano pra gente ler. Te lembra?

— Metamorfose do Kafka? Putz! Isso é muito real! — riu — Tô lendo essa m*rda praticamente desde quando entrei no ensino médio, mas só agora tá fazendo sentido.

— Talvez porque somos duas baratas incompreendidas também — refletia — Olha a Elis, por exemplo. Deve fazer simpatia pra gente engolir agulhas todo dia!

— Nesse momento tô pensando é no restante, se quer saber. A Elis, Rebecca e a c*r*lhada de professores que se lixem — deu de ombros — O problema não é sermos baratas incompreendidas, mas sim, baratas que não podem revidar o inseticida que jogam na gente.

— Pior...— analisava — Arthur, então... Esse vai espumar quando vir a gente junto na cara de todo mundo.

— Pateta, qual é! Já fizemos isso na cara de todo mundo! — corrigia — Só vamos oficializar. Só isso.

Dan ajeitou-se melhor à cama e encarou o mais velho. Viu nos olhos dele a vontade explícita de não ficar agindo mais com insinuações ou meias palavras. Aliás, desde quando o conheceu, sabia ser parte de seu jeito de agir agarrar-se à concreticidade dos fatos, o preto no branco, sem qualquer adendo para atrapalhar seu raciocínio. Admirava-o por isso, pois a garra dele em assumir o que sentia tinha sua parcela de ajuda na decisão de tê-lo beijado na festa de Jeferson. A seu lado, estava ciente da segurança e do conforto de ter quem o ajudasse a desembaralhar sua cabeça.

— Às vezes eu acho que minha cabeça vai explodir com tanta coisa acontecendo — confessou — Mas acho que foi bom sim.

— Acha? Putz! Tua cabeça é lenta demais pra processar o prazer que tivemos, hein?! — ironizou recebendo um soco no ombro.

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