Pêssego III

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ÍNTIMO

A chegada do domingo veio com ares de cochilo eterno na opinião de Ian. Quando pensou em levantar, pôde ouvir os barulhos vindos de fora da janela dos pingos da chuva daquele dia 03 de setembro de 2017. O doce som era um alento para a alma e o coração. Tinham quase um toque terapêutico, fazendo-o querer sair e se molhar por inteiro, na esperança de levar embora todas as dores pelas quais estava passando e ainda havia de passar.

A conversa com Diógenes no dia anterior foi definitiva para entender que os planos do destino não impediam de sentir um pulsar forte dentro do peito cada vez necessário em se ver diante de Daniel. Era humano, afinal, feito da mesma matéria com a qual o próprio aprendiz, tendo de enfrentar os mesmos males e benefícios de ter alguém a quem amar. Por mais explicações que tivesse, razão nenhuma filtrava o sentimento humano. Naquele terreno, a lógica não fazia morada. Sabia bem disso, ainda que, por vezes, fosse difícil aceitar.

Desceu às escadas sentindo o cheiro de café passando. Por um momento pensou até ser o primo, mas logo viu que se tratava da mãe deste, sua tia Isabel. Ela colocava os complementos matinais na mesa, dando 'bom dia' ao sobrinho ao perceber sua presença. Ian terminou de ajudá-la, indo em direção ao armário e tirando de lá as xícaras, pires; depois, já nas gavetas, os talheres necessários para poderem sentar sem levantar a cada dois minutos para pegar algo.

Quando o café passou, ambos serviram em suas respectivas xícaras a quantidade desejada e sentaram à mesa para degustação. O sobrinho notou, após alguns minutos, um certo ar de maré agitada nos olhos da tia. Conhecendo-a tão bem, apostou que Dan havia aprontado das suas, e agora fugia para não enfrentar a fúria da mãe.

— Problemas, tia? — questionou, intrigado.

— Ai, querido... O maior deles: ter filhos — suspirou — É um compromisso pra vida toda e eles não se tocam disso. Vivem como bem entendem, não dão satisfação... Esperam que a gente receba notícias por pombo correio.

O menor riu.

— Não tenho muita propriedade pra falar sobre filhos, mas sobre o Dan eu me garanto — disse, depois de beber um gole de café — Não deu notícias?

— Desde que foi pra festa de aniversário de um amigo sexta feira eu mal ponho o olho em cima dele. Dois dias e o querido acha que é normal deixar uma mãe aflita.

— Eu entendo. Mas assim, tia, o Dan é esperto. Deve ter ido curtir com o pessoal da escola ontem e se prolongou. Logo ele dá às caras.

E o rapaz estava coberto de razão, pois, mal fechara a boca, ouviu-se a chave girando na porta. Daniel havia retornado ao lar e, para espanto dos presentes, com vestes diferentes das suas, uma sacola plástica (deduziram conter suas roupas), uma expressão aérea e zumbilesca. Como notou que o filho estava bem corado, Isabel se sentiu menos culpada em lhe chamar a atenção. Havia voltado são e salvo, então aguentaria o puxão de orelha.

— É ótimo morar numa pensão, né Daniel?! Não se avisa ninguém de nada, não tira o sono de ninguém... Não é maravilhoso?! — ironizou enquanto o menino subia às escadas em direção ao quarto.

— Desculpa... — o pedido ecoou entre os dentes, parecendo um resmungo. Não deu mais satisfação, afinal só estava interessado em sua cama. Dormir colado em alguém não era tão rotineiro em sua vida nem nos tempos de Vanessa, então permitia-se mais algumas horas de sono.

Sua mãe, no entanto, não gostou nada da atitude, dando a volta ao mundo com os olhos. Era inacreditável o fato de seu filho chegar naquelas condições e não lhe dar uma explicação decente.

— Viu isso? 'Desculpa' e vai saindo de cena no mesmo piscar de olhos que entrou... Olha, é dose!

Ian não aguentou e riu. Achou cômica a forma como a situação se conduziu, afinal de contas se viu fazendo a mesma coisa com sua mãe tantas e tantas vezes... perdera a conta! A única diferença se dava na desenvoltura: não era raro exagerar nos goles de bebida alcoolizada e chegar cambaleando pelos cantos procurando sua cama. Ficou curioso para saber se algo parecido não havia atingido seu primo e não iria dormir à noite com aquela dúvida martelando.

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