Laranja V

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CORAGEM

Descrever o ódio presente no olhar de Daniel quando saiu disparado do "Wunder Bar" se assemelhava a sensação de uma navalha cortando seu peito de forma lenta e sofrida. Foi horrível assistir aquilo. Jamais imaginou algo semelhante acontecendo, mesmo ele próprio já tendo provado do suco ambíguo fruto de uma traição: se para quem o fazia era adocicado, a quem bebia restava o azedo para deteriorar o paladar. Triste, porém real. Seria hipócrita de recriminá-la por tal, mas por que Alisson? Era a única pergunta em sua mente? O rapaz que ajudou a criar o tormento fora justamente a quem foi pedir abrigo? Nada no mundo, em sua opinião, poderia explicar aquilo.

Mandou o trabalho pro inferno. Estava indignado e triste demais para pensar em pães e bolos. Queria explodir, quebrar, gritar bem alto para o quatro cantos do mundo sentirem suas cordas vocais se arrebentando com a força do ato. Seu cérebro parecia uma pilha, melhor dizendo, um computador, processando páginas e páginas de vários arquivos no mesmo instante. Aquilo, certamente, piorava seu estado, mas nada o continha. Nada colocaria um freio no trem desgovernado de sua mágoa.

Chegou em casa e sequer percebeu o carro dos pais estacionado frente ao portão. Entrou depressa tal como um furacão, nem olhando para trás ou dando tempo dos mais velhos explicarem o que faziam ali. Estes ficaram preocupados, entreolhando-se na expectativa de sugerirem alguma coisa.

— O que tu acha? — perguntou o pai, coçando a barba por fazer.

— Nosso filho sendo nosso filho — falou rindo, apesar de, no fundo estar preocupada — Não era pra ele estar com os tios no trabalho?

— Era, mas—

A porta então se abriu: tratava-se de Ian. O garoto havia chegado após mais um dia de trabalho a escola de música. Ficou surpreso ao encontrar seus tios em casa aquele horário.

— E aí, tio! Tia! Vieram mais cedo do serviço? — questionou.

— É nosso horário de almoço, então viemos comer em casa pra não gastar tanto — explicou Isabel — Tu encontrou o Daniel no caminho? Vocês brigaram?

— Não. Ele tá em casa?

— Subiu como um furacão lá pro quarto — o tio respondeu — Sabe se aconteceu algo?

— Pior que não, mas se quiserem eu posso—

— Deixa, filho. Eu converso com ele — Isabel se impôs.

— Certeza, Bel? Depois do que rolou, pode ser melhor — Bruno falava quando a esposa interrompeu.

— Sou mãe dele. Com birra ou sem, me preocupo com o bem estar do Daniel.

Dito isso, a mulher foi, com toda calma do mundo, para o andar de cima em direção à porta do quarto de seu único filho. As diferenças entre pais e filhos sempre existiram, era fato. Ainda sim, nada no mundo, na opinião dela, justificava ser indiferente à alguém que foi gerado dentro de si por nove meses. Criou-o com amor, carinho e afetividade, mas a adolescência é um período turbulento, mudanças acontecendo no corpo e na mente. Passava longe de ser uma expert em psicologia, mas entendia da vida. Essa fase tão confusa (e fantástica ao mesmo tempo) também causou dificuldade quando ocorreu consigo. Tentava entender e, ao mesmo tempo, criar empatia com as dores do filho. Esse era seu papel como mãe, no seu julgamento.

Bateu a porta no instante em que ouviu um barulho de saco plástico. Deduziu (o que se confirmou segundos depois) ser algo sendo colocado fora, tamanha agressividade na qual soou o barulho. Ao chamar por seu nome, Isabel viu Daniel abrir a porta com os olhos marejados e inchados, indicando o quanto havia chorado. O menino a abraçou forte, deixando claro o quão necessitado de carinho e atenção estava. A mãe respondeu na hora, retribuindo o gesto. Encarou sua cama, onde a sacola estava, e pôde ver pela sombras objetos como um quadrinho e algumas outras quinquilharias não identificadas à primeira vista.

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