A Teoria Das Cores

Cinza III

ESTABILIDADE

Quanto maiores são os nossos desafios, mais focados precisamos estar para atravessá-los. Nem sempre acontece na primeira ou segunda tentativa. O tempo vai passando e com ele aparecem novos enredos, criando uma neblina em nossos olhos, capaz de nos intimidar e tirar a fibra e a garra pela vitória caírem por terra. A sorte de Alisson é que, de tanto murro em ponta de faca, a dor acabou.

O sábado havia chegado e com ele mais uma série de treinos e acertos dos mínimos detalhes. O campeonato seguia um tanto distante de seu campo de visão, mas só o deslumbre de chegar lá e mostrar seu talento já lhe causava euforia. Marisa quando soube saiu a dar berros alegando ter parido o próximo membro do Backstreet Boys. Pô-se a rir do exagero, afinal, apesar de bem afinado com o desempenho proposto por Gustavo, muito ainda havia a ser ajustado. Estava confiante, porém, na desenvoltura, bem como das práticas feitas em aula.

Despediu-se da mãe e Edu logo cedo para ir caminhando enquanto perguntava-se como Daniel estaria se sentindo sem poder ir aos treinos. Tinha suas razões para não acreditar que ele estivesse se dedicando, ao menos no horário no qual deveria estar na escola. Com a maré de problemas oscilando entre o revolto e o calmo, fazer passos de dança não deveriam ser prioridade. Como encararia a noite a sua frente, sim, poderia estar lhe tirando o sono.

Conversara com Esdras na quinta sobre a possibilidade de um novo encontro. Por sorte, o garoto faria uma reunião, porém, menor quando comparada a da semana anterior. O anfitrião deixou claro que Dan estava tão convidado quanto ele, mas que punha em dúvida se era uma boa. Al, então, explicitou o fato do rebelde primo de Ian ser responsabilidade só sua e de ninguém mais ali, mesmo porque as chances dele se deixar levar por um garoto estranho pareciam remotas demais para serem creditadas.

Fantasiava o jeito com o qual chegaria. Podia lhe ver com os espinhos ouriçados, reclamando pelo horário e quantidade de rostos conhecidos passíveis de flagra. A tarefa seria das piores, uma vez que os problemas a serem resolvidos sequer eram seus. Tomava iniciativa no lugar de outro, imaginando como seu cérebro reagiria a cada decisão errada. O desafio lhe pôs em alerta, atento aos passos dados. Sentia um certo charme nisso, admitia.

Por mais de um mês ter se passado desde o último encontro entre suas bocas, precisava forçar a mente para lembrar de ínfimos detalhes sobre a textura da boca dele, o jeito como conduzia a ação, se as mãos participavam ou não. De certa forma, considerava aquele sendo o primeiro ato realizado, afinal estariam com a consciência bem nítida, com prós e contras já equilibrados na balança. Sentiu um tremelique ao pensar, mas não podia mais negar: queria ver o parquinho incendiando.

A surpresa, todavia, chegou bem antes do esperado. Encontrou o menor escorado na grade do pátio da escola com o pé esquerdo escorado nela. Seus olhos não conseguiram captar de primeira, tendo dúvidas de estar delirando ou realmente o garoto resolveu encarar a lei.

— Não acha que a última m*rda ainda tá cheirando demais pra tu querer fazer outra? — ironizou, ao se aproximar.

— Bom dia pra ti também — revidou, no mesmo tom — Sábado não é dia de aula. Vou entrar e quero ver aquela mula calejada me impedir — referia-se a Elis, que volta e meia ficava responsável na secretaria aos sábados.

Al não segurou a gargalhada.

— Pobre pateta... acabou de sair das fraudas e já se acha o MacGyver...

— Agradeço o privilégio por te mandar tomar no c* pela primeira vez no dia.

Daniel então começou a andar em direção ao colégio enquanto o mais velho seguia dando gargalhadas. Achava a maior comédia quando tinha ataques de grandeza e queria provar para o mundo todo que podia vencer tudo e todos, fazendo comparação com um chihuahua tendo ódios monumentais a troco de nada.