Prata II

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MODERNIDADE

Certas palavras, quando lançadas ao vento, tem um poder tão catastrófico e imensurável, que fica até difícil reerguer qualquer coisa depois. Pior ainda é quando, além da força delas, vem junto uma prova palpável do que se afirma. Assistindo a cena exposta no vídeo, Marisa e Isabel perderam completamente o senso de raciocínio, indo de encontro a um redemoinho tão forte, capaz de levantá-las do chão e mandá-las para o mais longe possível.

Marisa tentava encontrar algum contexto lógico para uma cena daquelas ocorrer e seu filho estar metido até a raíz dos cabelos nela. Nada nela fazia o mínimo sentido, afinal de contas sempre viveu às turras com o filho por viver com mais de uma moça por semana. Ver as imagens passando e as expressões nítidas dos rostos dos envolvidos alimentavam ainda mais a pouca compreensão dos fatos.

Isabel não se encontrava aquém dos medos e dúvidas quanto às ações cometidas por Daniel. Já era de seu conhecimento o término do filho com Vanessa, o que o tornava alguém sem compromisso, mas nunca na vida lhe passou pela cabeça a possibilidade de estar se envolvendo com alguém do mesmo gênero. Não sabia qual a circunstância, porém, vendo a ação mais de uma vez, arriscou um palpite.

— E se esse beijo aí foi só... provocativo?

— Verdade! Só pode ser! — concordou a outra — Ou é montagem. Com celular essa gurizada promove o inferno. A senhora, como educadora, sabe melhor disso que nós — falava sobre Rebecca.

— Nós ainda não conversamos com os meninos para verificar. Numa reunião semana passada, foi decidido conversarmos com algum responsável primeiro, visto a delicadeza do assunto.

— Mas que delicadeza, minha senhora, se isso aí só mostra dois rapazes se beijando?! Sejam lá quem fossem! — Isabel indagou.

— Como eu disse, o rapaz chegou em um estado lamentável em casa. A explicação dada foi que dois colegas, juntos com amigos, armaram para ele e seus amigos uma cilada.

— Tá vendo como é mentira? Só aparecem dois guris na filmagem!

— De fato, isso não pôde ser comprovado. A única coisa que temos além desse vídeo é a fala do grupo de amigos supostamente agredidos. Os agressores vamos conversar mais tarde, até porque quem aparecem nas gravações são os filhos de vocês.

— Escuta aqui, minha filha — Marisa começou a falar — Desse jeito a senhora já tá decidindo que nossos filhos são dois marginais que fizeram uma barbaridade contra um colega. Este, aliás, já provocou uma briga com cada um deles, portanto santo não é. Sinceramente, não tô entendendo isso aqui. A escola e esse senhor incapaz de criar um filho estão supondo coisas no vazio.

— Por favor, mães, eu peço que continuemos a conversar de forma racional e o mais controlado possível — suplicou a supervisora — Eu compreendo a aflição de vocês e quero que saibam que me solidarizo. Mas acontece que há uma ameaça de processo por danos morais e materiais envolvidos! O delito pode ser levado aos tribunais!

— Com um vídeo vagabundo desses? A única coisa que vai ganhar é um tapa na cara meu por ter feito meu Daniel passar por uma palhaçada dessas, enquanto o filhinho dele só inferniza! — exclamou a mãe de Dan.

— Ótimo! Tu começa e eu termino o serviço! — Marisa complementou.

De fato, a situação não parecia ter respostas fáceis. Nenhuma das partes parecia disposta a ceder e intervir de maneira prática e objetiva, tentando estabelecer o mínimo de conversa e diálogo cabíveis em uma situação como aquela. Ainda que a verdade estivesse fora de seu alcance, Marisa e Isabel sentiam seu instinto materno falar mais alto do que qualquer dúvida proeminente. Como boas leoas defendendo suas crias, ficava difícil para Rebecca caçar argumentos válidos que sustentassem a posição da escola e do pai do menino agredido.

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