Coral III

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PROSPERIDADE

Dois corações feridos sempre acabam gerando muito mais do que simples desentendimentos. Muitas vezes, famílias inteiras se dilaceram por conta de meras palavras mal compreendidas e ações mal calculadas. Foi assim quando Andreas agrediu o primo sem qualquer razão que lhe dissesse respeito, e estava sendo por conta da ida súbita de Ian ao deduzir uma série de atitudes do mais velhos, deixando-o com seu interior amargurado, marcado com feridas que só o tempo, com muito esforço, poderia curar.

Passados três dias de sua chegada tumultuada, Ian ainda conseguia tocar na fria parede capaz de dividi-lo do primo mais velho. As palavras que saíam eram apenas para cumprir protocolos, ou seja, mera formalidade. Era inegável o quão dolorida aquela ferida se mostrava, tocando o interior deles de forma tão profunda, quase atravessando-os, deixando marcas significativas em sua relação. Principalmente para Andreas, a começar pela falta de compreensão por parte do outro.

Não lhe era desconhecido o fato de nem sempre as coisas terem se encaminhado daquela forma. Por muito tempo os laços de sangue eram suficientes para manterem um contato, se amarem e respeitarem dentro do que a etiqueta mandava. Todavia, ter ido a Pelotas consigo, redescoberto o significado de desejo proibido, tomou proporções as quais ele mesmo sequer compreendia. De repente, surgiram os sonhos (uns mais picantes que outros), depois a saudade intensa dentro do peito quando, por conta própria, ele decidiu morar com Daniel, até, por fim, acabar na atitude inconformada do coração dele ser de alguém sem a menor vontade de tê-lo, jogando seus sentimentos no lixo em prol de um amor surgindo no horizonte.

Vê-lo com os olhos marejados na sala enquanto tomava seu café era quase tão ruim quanto o fato que trouxe ele até ali. Tudo estava errado e sabia disso. O problema era que nenhum dos lados parecia ter pressa em resolver a questão, cada qual por suas próprias razões. O ar sufocava-os por estar tomando forma física, deixando seu lado gasoso para trás a fim de atormentá-los dentro daquele apartamento, convivendo como dois estranhos, mas com sentimentos bem conhecidos. Ainda sim, tendo as circunstâncias criado a razão de ser, Andreas julgava não ter seu lado consumido pela culpa, afinal, vivia muito bem ali até o primo chegar.

Ian notou quando seu olhar cruzou com o dele, trazendo as mágoas em cada fugida dada, mostrando a indignação e a informalidade de ter vivido para ouvir palavras as quais não queria, tampouco achava necessárias. Cansando daquilo, levantou do sofá e foi até a mesa. Andreas seguiu sem encará-lo diretamente, fingindo estar focado comendo seu pão.

— Nada justifica isso, sabia? — disse, enquanto o mais velho tinha um iceberg sob seus olhos — Será que é tão complicado assim me entender, ou pelo menos me ouvir?

— Complicado é sair um pedido de desculpas aí de dentro, isso sim — sua voz soou seca, quase como se não se importasse — Também, pudera, eu sou doente, né? Não tenho coração, nem vida... Nada. Sou um câncer em formato de gente.

— Pra que agir como se tivesse dois anos de idade, Andreas? Me fala! — pediu — P*rra, eu tô aqui com uma coisa amarga dentro de mim e—

— Ah, o senhor perfeição tá sentindo o gosto da amargura? Que interessante! — ironizou — Sabe o que eu tô sentindo? O peso da tua mão no meu rosto! Tu não tinha esse direito!

Não causava total estranheza aquela atitude tomada no calor do momento viesse à tona, até porque reconhecia seu erro e sabia do quão profundas as marcas dele seriam. Só queria tentar repará-lo de alguma forma, a qual acalentasse um pouco sua sofrida alma e trouxesse a paz entre eles de volta.

— Tudo bem. Tu tem razão. Desculpa — pediu, coçando a nuca — Nem sempre a gente age com a razão ou com coração. O corpo também responde.

— Belo exemplar de Daniel tu tá me saindo — revirou os olhos — Quer saber? Que se f*da, Ian. Não me interessa mais o que pensa de mim, se quer ou não aceitar o que poderia te oferecer.

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