FLEXIBILIDADE
O ciclo que rege a nossa vida ganha novas proporções à medida em que desafios surgem diante de nós. Entusiasmada em nos ver crescer, evoluir enquanto enfrentamos suas adversidades, promove uma série de eventos (às vezes de caráter questionável) a fim de espantarmos a comodidade e partir na busca de novos ares. Nem sempre todos queremos. Daniel, ao menos, arrancava os cabelos só de pensar no assunto.
Algo no seu subconsciente sabia das desventuras vindo em sua direção desde o dia na cachoeira com Ian. Um sopro gélido e produzindo um som sinistro ecoou sob seus ouvidos naquela hora. Mesmo descoberta a sexualidade da atual ex namorada, o contato pele a pele pela primeira vez com outro garoto despertou um lado seu com o qual jamais pensou ter o desprazer de conviver. Era inconcebível a curiosidade reprimida dentro de seu peito em querer saber como seria, se poderia ter tesão notando as coxas desnudas do primo ou o tórax de Alisson. Tanta água havia passado por debaixo da ponte, mas o maquinário em sua cabeça continuava travando ao pensar.
As palavras do primo assombraram-lhe a noite inteira, culminando em ouvir os pássaros dando a primeira cantoria daquele domingo. Seguia deitado em sua cama encarando o teto enquanto mil imagens passava por ela como um filme. Tentava encontrar algo capaz de diferenciar as reações tidas com Ian e Alisson, afinal, de tudo, a única coisa certa para si eram como lidava quando sentia os corpos de ambos tão próximos ao seu.
Explicara a Vanessa que o primo tinha o mesmo efeito que estar chapado e em nada exagerou. Ele trazia uma ilusória calmaria, paz interior, ainda que cobrasse uns beijos e amassos em troca, nada importava. Acabando aquilo, o efeito passava e pronto, parecendo uma "negociação justa". Já com o melhor amigo um incômodo constante na boca do estômago fazia-o tremer cada célula. Os minutos compartilhados com o mais velho arrancavam de seu inconsciente gritos histéricos, perturbando a razão de ser. Definia como um instinto selvagem, chegando a perder os critérios quando pensava em algo a mais.
Ainda que, num primeiro momento, essas coisas sem compromisso de Ian soassem mais interessantes, sabia a importância de não levar isso adiante muito tempo. Fazia o coração dele ser esmagado e ficava evidente quando jogava na cara seu descontrole por Al. Queria-o bem demais, mesmo, por maioria das vezes, tendo sido difícil demonstrar isso de forma eficaz. Seria monstruoso torturá-lo só por medo de não enfrentar as consequências de seus atos. Vinha então a pergunta: deveria tentar com Alisson outra vez e botar um fim naquele sofrimento absurdo? E sendo positiva a resposta, conseguiria sair ileso? Era a única solução que sua mente elaborou, nem de longe a que lhe agradava mais.
Seus pensamentos destoaram ao ouvir as vozes do pai e da mãe ecoando pelo corredor e descendo para tomar café. Acabou por levantar e ir se juntar à eles, afinal de contas teria tempo, poderia refletir com calma a respeito daquela pequena bomba residente em seu colo. Ainda vestindo apenas um short de dormir cinza e uma camiseta preta desbotada, chegou a cozinha quando a mãe mal começara a arrumar o café na cafeteira. A cara amarrada logo entregou que sua peripécia não fora esquecida. Com os olhos mirando o chão, acabou por sentando mais próximo ao pai. Isabel, por sua vez, ajeitou o coque de seu cabelo antes de se juntar aos dois no lado oposto ao deles.
Durante alguns minutos, apenas se ouvia o barulho vindo da rua. Com a batata de Dan virando carvão, a coisa funcionaria como em juízo: tudo dito poderia e seria usado contra si, para piorar, sem a presença de seu advogado de todos os males. Quis muito ter servido o fígado daquele atrevido para aprender a não lhe difamar, no entanto, acabou tendo o seu almoçado e sobrado um pouco para a janta de seus pais.
Os dedos finos de sua mãe dedilhavam em cima da mesa enquanto a máquina do café fazia seu trabalho. Fitava o filho na esperança de arrancar algum fiapo sobre como havia se metido naquela enrascada. Já Bruno, mesmo com sua cabeça fresca, deixou seus olhos e ouvidos bem atentos aos dois. Não queria outro duelo de titãs entre sua esposa e o primogênito, uma vez que fugia das intrigas mais que galinha do abate.
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A Teoria Das Cores
Teen FictionO que seria do verde se não fosse o amarelo? Essa clássica pergunta nos faz pensar em todas as coisas que mesmo diferentes nos unem. E será o diferente que irá unir a vida de Alisson e Daniel, rapazes problemáticos que de repente verão suas vidas ci...