PICANTE
Nem toda a agitação do mundo é capaz de igualar a magia de uma surpresa bem construída. O elemento desconhecido, tal qual ocorre nos bons filmes de terror e suspense, ajuda a criar um clima desconfortável, deixando o cenário mais tenso e a adrenalina nas alturas. Isso, claro, se o indivíduo prestes a cair na peça esteja acordado. Não era o caso de Daniel, afinal o rapaz estava nas alturas quando Ian resolveu aprontar naquele matiturno de sábado.
O motivo, julgava, era nobre: Micael chegou cedo, então precisavam curtir um momento entre os primos, afinal, depois de crescidos, ficou complicado alinhar todas as agendas e ter um único dia. Já que ao menos um conseguiram chamar para passar o fim de semana, nada mais justo do que chegar em grande estilo e, de quebra, deixar Dan louco da vida. Ian não negava ser um guilty pleasure seu.
Quando chegou, o primo de topete loiro colocou sua mochila no quarto do garoto de olhos claros e juntos foram armar o plano. A estratégia era simples: apertar a coberta nas pernas de Dan e dar um grito. Era tiro e queda, afinal lembravam bem dos tempos de criança onde o menor caía nisso toda vez. Consideraram que pouco havia mudado daqueles tempos até a presente data, então tudo se encaminhava ao sucesso da ação maldosa.
Abriram a porta do quarto procurando não fazer o menor ruído. Caminharam até sua cama na ponta dos pés para se certificar de não acordá-lo. Como era a visita, Mica seria o responsável por fazer o ato, então aproximou-se a passos de formiga do primo adormecido e deixou o mais velho parado poucos metros depois da porta. Preparou bem suas mãos e foi a luta.
Quando estava alcançando o edredom, parou por alguns instantes apenas para dar uma última olhada na expressão de Dan. O menino parecia mergulhado no mais profundo oceano do mundo dos sonhos — também pudera, motivos tinha para isso. Ian contou mexendo a boca até três e, no terceiro, Micael fez o combinado e acrescentou um grito de "Eita!" que levantava até defunto.
O plano foi um sucesso. Daniel por pouco não caiu da cama com o estardalhaço. A parte boa era ter levantado em alerta e a tempo de se arrumar para aula de dança. O ruim foi ter novamente sonhado com alguém correndo em direção a si em um campo aberto e não ter decifrado de quem seria a tal silhueta. A diferença para as outras vezes, no entanto, se deu em um detalhe crucial: pela primeira vez, a figura não pareceu tão desfocada. Não fosse a brincadeira dos primos, Dan não tinha dúvidas de que o mistério acabaria ali. Resolveu deixar aquilo de lado, afinal ver seu primo era bem mais importante do que desvendar mistérios.
Depois de espragueja-los alegando não serem capazes sequer de respeitar seu sono, Daniel levantou e abraçou com vontade Micael. Desde o aniversário do rapaz que não trocavam uma palavra em virtude da correria cotidiana. Era bom revê-lo sempre com um alto astral invejável e seu ar de bon vivant. Com o tumulto dos últimos dias, uma nova figura fazia bem aos ares da casa.
Dan pegou suas roupas e foi tomar um banho rápido, descendo em seguida para tomar café. Tanto os primos quanto seus pais estavam a postos organizando a mesa com os potes de geléia, margarina, pão e complementos matinais básicos. Como Ian sentou-se ao lado de Mica, acabou ocupando o lugar vago do lado esqueredo da mesa, dividindo o espaço com a mãe. Era um momento singelo de reunião familiar, parte das histórias domésticas capazes de unir a todos com um laço bonito de amor e companheirismo.
Depois de questionarem algumas coisas a respeito da vida em Porto Alegre, de como estavam todos, Mica alertou para o fato de só poder ficar até a segunda-feira, pois dali partiria para Pelotas a fim de revezar com Andreas o cuidado do apartamento da família na região. Ian encarou-lhe com certo espanto, sem compreender o que havia acabado de ouvir.
— Engraçado... O Drê não comentou nada comigo que tá por lá — jogou no ar.
— É, o pessoal estava decidindo se iria contratar alguém pra tomar conta do apartamento. Até queriam conversar com os demais irmãos e ver se isso era possível, mas o Drê se ofereceu pra revezar com alguém a tarefa.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Teoria Das Cores
Teen FictionO que seria do verde se não fosse o amarelo? Essa clássica pergunta nos faz pensar em todas as coisas que mesmo diferentes nos unem. E será o diferente que irá unir a vida de Alisson e Daniel, rapazes problemáticos que de repente verão suas vidas ci...