53. [Lacunas] Parte 38

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Os dois permanecem ali, imbuídos por aquela esfera calma de amor, de cumplicidade.

César, enfim, abaixou a guarda: não é mais o intransigente que fora outrora, nas primeiras vezes em que se viram. Cansado de resistir àquilo que sempre sentiu e, por fim, convencido pelas declarações, ações e amor de Helena, ele se despiu de qualquer resistência e é, de uma vez por todas, o César da Helena, o César irremediavelmente apaixonado e capaz de atos inimagináveis para cultivar o amor da mulher que sempre foi sua.

Por sua vez, Helena, que desde Petrópolis gozava do triunfo de tê-lo arrebatado mais uma vez, de tê-lo feito dar o braço a torcer e, enfim, admitir que ainda a amava e que queria, sim, tentar de novo, vê agora seus receios se esvaírem a cada uma daquelas declarações. A relação deles, ela sabe, nunca foi um exemplo de fidelidade: na época do namoro, era César quem escorregava. Quando finalmente ele foi fiel, nas duas ocasiões em que viveram como um casal, foi a vez dela de cometer seus deslizes. Como seria agora? Seria... Como na primeira vez: ela fiel e ele, não? Essa dúvida pairava, embora ela o quisesse mesmo assim - Helena estava disposta a pagar para ver.

Fato é que não dá para negar que, depois de ter as últimas traições descobertas, de saber das farsas nas quais ela foi envolvida a vida toda por parte do ex-marido, Helena estava se recuperando dos tombos, estava fragilizada... E considerar mais uma traição, nesse contexto, seria algo que definitivamente ela não teria disposição para assimilar ou contornar, não agora. E também deve-se dizer que a condição de mulher passiva-traída em nada combina com ela. Tanto, que o aviso já foi dado, dias antes, no primeiro pedido na clínica: você nunca me prometeu a sua fidelidade... Mas, cuidado, porque quem tem muitas, não tem nenhuma. Então, de certa forma, ouvi-lo dizer o que dizia era conforto, fornecia uma certa segurança que, lá no fundo, ela sentia em seus braços.

Mas aquele aviso... Ah, aquele aviso mexeu com César. Por isso, ele agora desconstruía, desmistificava para a amada a pose do galã conquistador, do César que precisava estar sempre em situação de caça. Nas mãos de Helena, ele era caça e caçador: não faltava mais nada. E é o que ele estava sacramentando ali quando, com todas as letras, dizia que a proposta de casamento era, sim, uma proposta de fidelidade, tal como ele foi fiel em todas as vezes em que foram casados de forma informal. Ele pede pra ela confiar, para confiar como ele, que foi traído por ela, está disposto a fazer, porque toda hesitação é irrisória se comparada à dor da ausência de um para o outro. A ausência dela em sua vida sempre foi isso: dor, a ferida que não fechava, que continuou sangrando.

Alinhados os pontos, diluídos de prazer por terem, enfim, a companhia, cumplicidade e amor um do outro, há quase uma semana, na festa, ela pediu pra ele deixar o passado e olhar pra frente, para o futuro. Não seria missão fácil, eles sabem. É um terreno perigoso, um caminho de areia movediça... Mas antes, César se irava até com a ideia de percorrê-lo: qualquer sugestão sobre tocarem a vida e não mencionarem mais os equívocos que cometeram, era palco para grandes cenas. Agora, é ele quem pede: olha para frente. Helena transborda e, assimilando tudo, fazendo toda essa divagação cada um dentro de si, eles seguem na hidro, juntinhos. Helena usa as duas mãos para abraçar o rosto de César de forma delicada e brinca de beijá-lo em todos os cantos: bochechas, olhos, testa, ponta do nariz... Eles não têm nenhuma pressa.

César sente tudo isso com um braço abraçando o fim da cintura submersa de Helena. Ele fica o tempo todo de olhos fechados, só sentindo a boca macia e quente que ela tem deferir carinhos sem fim: é como se cada beijo fosse uma promessa de amor.

Por fim, eles abrem espaço para conversarem novamente, com Helena se sentando na frente dele, bem no meio da banheira. César estica as pernas e Helena levanta as suas, mantendo-as dobradas e ali, de baixo de toda aquela espuma, os dois dão um nó, as pernas se confundem. Eles estão com os rostos cerca de meio metro um do outro e são só sorrisos. César é quem, curioso, depois de entornar uma taça de champanhe, puxa a conversa, animado:

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