100. [Lacunas] Parte 85

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*Este capítulo está sendo repostado após Lacunas & Desfechos ter sofrido uma exclusão sem precedentes de setenta partes da sua história, quando contava com mais de cem capítulos e 130k de visualizações. A pedido de vocês, L&D continuará - sempre!

Boa leitura. Com carinho,
Lívia.
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Helena chegou há poucos minutos do jantar que ela pretendia que fosse sozinha, mas que, em um arranjo desastrado do acaso, Otávio estava lá. De alguma forma, eu arrisco dizer que foi bom ela ter interagido com um rosto familiar porque isso a forçou a tentar segurar uma pose que vinha sendo difícil de sustentar, aquela pose de força, de que estaria tudo bem quando, na verdade, ela está tropeçando em destroços dela e dos dois. Já estava caminhando para uma semana sem que ela e César pudessem estar juntos mesmo, aproveitando da companhia, amor e cumplicidade um do outro; quando tiveram essa oportunidade, foi na fatídica quarta-feira, quando tudo começou a desandar e abriu o covil de todas as inseguranças, más projeções para o futuro e péssimos resgates do passado. Desde lá, Helena começou a ruir, a chafurdar-se a si mesma em medos, gatilhos e mil teorias - apesar de ter sustentado postura na hora, claro, por uma questão de orgulho, para não dar o gosto de tê-la atingido para Tereza, a assistente. A noite daquela quarta-feira foi tão difícil... Ainda com muita dificuldade, ela conseguiu ficar recomposta na quinta pela manhã, mas desde esse dia a tarde, quando ela se permitiu ser reclusa, a postura inatingível caiu e ela se permitiu ficar frágil, sozinha.

Dormiu em meio a choros, garrafas e taça de vinho. Na sexta, nossa protagonista passou boa parte do dia na cama, alternando cochilos tumultuados com lembranças, certezas, saudades e vontades que ela começa a entender que não mais concretizará porque havia decidido dentro de si na noite anterior que não pode mais continuar com esse envolvimento com César. Ontem, Helena começou a ponderar que, talvez, tudo tenha sido um erro: insistir em uma história adormecida, que já deu errado tantas vezes, foi um erro. E para que a noite de sexta-feira não terminasse aguada por um choro incessante, ela preferiu sair. Em um ambiente com mais pessoas, como em um restaurante, ela teria que segurar um pouco mais, certo? Não daria para ter crises de choro e ser a atração do local, logo... Ela não teria escolha: teria que se vestir, se arrumar, forçar a maquiagem que fosse para ocultar as olheiras de duas noites insones, colorir os lábios e enfeitar a tristeza.

Intenção válida, plano até que bom, mas inútil, como bem sabemos. Você há de se lembrar, leitora, que toda essa evolução que ela pretendia com um jantar, desandou a cada música ambiente que tocava, a cada casal que ela via desfilar. Quanta ingenuidade, Helena! Anos sem superar este amor, você achou mesmo que um jantar resolveria? Não resolveu. Ela chorou de maneira branda quase que a noite toda, sem chamar a atenção, mas as vezes uma memória ou outra do de uma frase dita, do sorriso, do toque, de algum momento vivido, vinha como um açoite. Uma dessas, casada com a letra de uma canção, a fez desmoronar em um choro frondoso. Ou seja: não adiantou fugir. E é por isso que, talvez, encontrar um rosto familiar tenha sido, de alguma maneira, positivo: distraiu e a fez - por mera distração ou orgulho -, com que ela se mantivesse firme por longos minutos sem chorar.

Só que também não foi eficaz, não é? Porque quando o clima entre ela e Otávio teve potencial para esquentar de alguma maneira, de novo Helena desabou. Ali ficou muito claro para ela que não adiantava a razão decidir uma coisa, se cada centímetro de seu corpo a levava a fazer o contrário. Apesar dela ter sido, sim, tomada por um desejo secreto de vingar-se de César simplesmente por estar ali, com uma companhia a quem o médico odeia, bailar com o flerte educado do advogado tão somente para alimentá-la do sabor que seria saber que da mesma maneira que César teve alguém que o deseja tocando-o, ela também havia tido, ela não conseguiu prosseguir. E ela queria. Queria ter o prazer de saber que, se César chegasse a ter conhecimento de uma cena como aquela, ele se rasgaria de ciúmes de uma forma ainda mais atroz que ela. A pose que ela conseguiu ter na frente de Tereza? Ele jamais conseguiria - basta nos lembrarmos da primeira vez em que ele a viu com o advogado, quando eles haviam trocado apenas o primeiro beijo e só de Helena estar ao lado de Otávio também em um restaurante, só de assisti-lo pegando-a pela mão, ou orientando-a para abrir o caminho com um toque mais encorpado nos ombros, ou ainda mesmo de vê-la recebendo carona dele, César se irou, não conteve a cara fechada no almoço e nem a cena feita depois. Ou a leitora não se lembra mais que o todo poderoso doutor César envelopou as fotos que possuía dos dois e enviou à Helena, com um bilhete de adeus? Essa, inclusive, foi a deixa para que ela se apropriasse do consultório dele uma vez mais, desse beijos arrebatadores e armasse o terreno para aquilo que veio dias depois: o tão irresistível convite para Petrópolis.

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