Ainda é noite de sexta-feira, dia em que Helena ficou encarregada de cuidar de Lucas e Salete mas decidiu, diante de uma ligação tão cheia de carinhos, convidar César para juntar-se a ela.
Depois de um primeiro contato, daquela troca inicial de carinhos e de ser pega de surpresa por mais uma demonstração de entrega por parte do médico - a tal da mala com alguns pertences para a pernoite, lembra? -, Helena sugeriu que ele a esperasse na cobertura, onde já havia delineado alguns preparos para um momento gostoso a dois enquanto ela se incumbiria de checar as crianças e deixar a bolsa de César no quarto.Já no andar superior da cobertura, ela perde minutos contemplando o amado pelas costas e reprisando sonhos, declarações, planos futuros e toda uma retrospectiva de tudo que os trouxe até aqui. César segue de costas, com o corpo recostado levemente no guarda corpo da área externa e uma das pernas levemente dobradas devido ao encaixe do pé em um desnível qualquer; ela consegue vê-lo se distraindo, certamente também perdido em algum pensamento cada vez que movimenta e olha para a taça que trás nas mãos. Ele entorna um gole ou outro, ela assiste... E decide, por fim, juntar-se a ele.
O caminhar de Helena é suave, mais silencioso e cuidadoso que o habitual - suspeito que ela pretendia fazer uma dessas chegadas de surpresa, arrebatadora em sua delicadeza, cheia de beijos e abraços, mimos e seduções, mas César sente o perfume e a presença dela de longe, mesmo não tendo Helena feito barulho algum. Por isso, ele vira parcialmente o corpo para vê-la e ela gargalha pensando aquilo que, por fim, ao abraçá-lo pelas costas, ela verbaliza.
Helena: – Como você faz isso?
César: – Isso o que?
Ela ri baixinho com a boca colada na nuca dele, aperta os braços na cintura dele enrijecendo o abraço e o beija no ombro; como quem encontra um porto-seguro, reconhecendo nele o seu lar. Helena apoia a maçã do rosto nas costas de César enquanto inicia um carinho demorado com as mãos no peito dele.
Helena: – Isso de saber quando eu estou por perto.
César: – Eu sinto a sua presença. Não preciso nem te ver para saber que você está por perto. Foi assim na escola, na reunião de pais em fevereiro.
Ela sorri lembrando-se da ocasião mencionada. Como poderia Helena esquecer daqueles dizeres tão arrebatadores do dia em que ouviu, depois de 15 anos, César referindo-se aos dois com muita mágoa, é verdade, daquela maneira passional, forte, deixando nítido que ela jamais foi passado em sua vida? "Eu senti sua presença quando entrei aqui agora há pouco, não sei explicar porque... E também, por intuição eu imaginava mesmo que fosse você a Helena que a Marcinha mencionava em casa como sendo a professora do colégio. E agora há pouco, quando a diretora falou o seu nome, eu tive certeza, mais do que nunca, que se tratava de você... Como se de repente não existisse nenhuma outra Helena no mundo que não fosse você."
Ela ouve a voz dele ecoar na memória, fecha os olhos, mergulha o rosto na nuca dele, aspira o cheiro bom, brinca com ponta de dois dedos ali, nos fios alinhados das mechas grisalhas que se findam no pé do pescoço dele.
Helena: – E alguma vez você já errou?
César oscila entre olhar para o horizonte e fitar o chão em um desses olhares mais reflexivos e com certa melancolia; ele não parece impassível, longe disso: deixa-se ser abraçado, gosta dos carinhos rendidos que Helena dá, dos beijos, dos afagos no peito, a voz no pé do ouvido... Mas segue, mais por postura do que por sentimento, ereto, recebendo afagos muito mais que os ofertando, neste momento.
César: – Já senti sua presença em outros lugares, mas não pude saber se você estava mesmo lá ou não, se era mais uma... Mais uma ilusão da minha memória. Ou uma parte de mim preferiu nem descobrir se era mesmo você.
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Lacunas e Desfechos.
RomanceEsta estória é inspirada na novela e se desdobra em vários capítulos, com a intenção de complementar o enredo deste casal tão querido - sem que haja, no entanto, modificações na trama original. Sabe aquilo que você sempre quis ver na novela, a ce...