95. [Lacunas] Parte 80

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Terça-feira, 23 de Setembro de 2003.

Já é tarde da noite, as 22h se aproximam e César enfim sobe para o seu quarto após ter descido - já de pijamas -, para conferir alguma coisa em seu escritório. Lá embaixo, uma coisa levou a outra e ele acabou se perdendo nas horas, mas agora no conforto de seu quarto o médico recupera o celular que havia ficado sobre o tradicional sofá azul marinho e telefona para Helena.

Helena: Estava para ligar para você.

César: Você sempre diz isso, sabia? - Diz, bem humorado, sentando-se sobre o estofado.

Helena: Juro.

Ele sorri em uma pausa muito breve.

César: Liguei para saber como você está.

Helena: Depois do que vi hoje? Péssima, César... Péssima.

César: É, a realidade de uma clínica psiquiátrica não é a das mais agradáveis. Choca mesmo.

A tarde de terça-feira havia mesmo saído um pouco da rotina: em um arranjo meio às pressas, Helena conseguiu enfim autorização para conseguir visitar a irmã. Também, pudera: já contava-se sete dias completos de internação, uma semana. E as notícias pareciam todas meio perdidas, um eterno hiato que se apoiava na complexidade do caso para justificar a falta de informações precisas. Helena seguia angustiada, Hilda também. Por esta razão, César acabou utilizando de seu prestígio e coleguismo com as pessoas certas do meio médico para conseguir, enfim, que Helena pudesse ver Helô. Fora aconselhada, no entanto, que a situação da irmã não era a das melhores, que ela estava muito agitada e, por isso, recebia altas doses de medicamento. Tudo bem, é de se esperar algo do tipo vindo de uma ala psiquiátrica, certo? Mas a realidade mostrou-se pior, muito pior... E Helena passou a tarde toda com um nó na garganta. A visita que deveria promover alívio, acresceu angústias, angústias que ela externaliza agora com o seu porto-seguro.

Helena: Uma coisa é chocar, César... Outra é ver a Helô do jeito que eu vi, acuada, em um quarto que mais parece uma prisão. Aquilo não era a minha irmã. A Helô é uma artista nata, viva, gosta de cores, de tudo o que é... Vivo. O oposto dali. Não duvido da competência do Edgar, mas...

César: Por isso eu estou te ligando. Queria ter passado aí depois da clínica para conversarmos pessoalmente, pretendia te convidar para jantar... Mas acabou ficando tarde para o convite e, depois, tarde até para a visita.

Helena: E o motivo da ligação...?

César: Eu agora preciso ter motivos para ligar para a minha mulher? - Bem humorado, ele brinca.

Helena: Hum. Claro que não. Desculpe, meu bem, desculpe... Eu... Eu não estou em um bom dia. 

Ainda entre a abertura que separa o closet e o quarto, Helena fica com o olhar mais melancólico, em pé, fitando o chão. É como se o peso de tudo o que ocorreu naquela tarde de terça-feira se acumulasse em seus ombros.

César: Eu sei e eu entendo seus pontos em relação à clínica também. Para ser sincero... Fiquei pensando em algumas coisas. Principalmente depois de ter te deixado em casa do jeito que eu deixei.

Helena: Não sei nem como eu consegui voltar para o colégio, César. Perdi completamente o apetite, nem jantar eu jantei ainda... Acho que só consegui almoçar mesmo porque nós almoçamos antes de ir à clínica vê-la, né? Sabe o que eu fico pensando? Ainda bem... Ainda bem que não foi possível a Hilda ir comigo...

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