114. [Lacunas] Parte 99

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Estamos na noite de terça-feira, às vésperas do casamento de Helena e César. É o dia em que Fred, o aluno do terceiro ano, foi vítima de Marcos e ambos morreram. Fred era aluno de longa data da Ribeiro Alves, Helena tinha um carinho por ele... E era também amigo da Marcinha, filha de César. E disso tudo você já sabe, hum? Então vamos à mais um fragmento de rotina.

Você há de se lembrar de que César saiu do hospital no finalzinho do dia. Foi em uma ligação para a mãe para avisar que, enfim estava indo para casa, que ele soube do acontecido. Na hora, pensou em Helena porque sabe que, além de ser a diretora da unidade na qual o garoto estudava, Helena sempre foi um pouco mãe de todos os seus alunos. E era a perda de um filho de alguém. E é Helena, Helena que compra as dores do mundo e as sente como se fossem suas, mesmo por debaixo dessa capa de anti-heroína. Então não tinha como ele saber o que aconteceu sem pensar em sua filha e nela. 

E é por isso que ele ligou - ligou de novo, no caso, depois de ter uma ou duas ligações suas não atendidas naquela tarde; quando soube, entendeu o por quê: Helena estivera ocupada com a rotina do colégio e, depois, com o choque e as atribulações do ocorrido. Então ele ligou para saber dela, para checar e encontrou uma Helena chorosa, frágil, tal como presumiu que ela estaria. No caso, ele presumiu tão bem que não só ligou, como estava dirigindo rumo ao apartamento dela durante o tempo todo em que esteve com ela na linha. Ela não sabia, claro... Helena soube que César estava indo até ela quando, depois de ouvir de Helena, no timing perfeito, que ela precisava dele, ele pediu por ela na sacada... E disse que a levaria para casa. Para a casa deles.

Paramos aqui: os dois na mansão às 19h e alguma coisa; tiveram uma breve interação com Dona Matilde e foram para a suíte, pois Helena carecia de um banho. E por falar em suíte: é sim, a suíte de casal, a suíte que nos acostumamos a ver tantas e tantas vezes o César solitário em meio a saudades, amarguras e sorrisos secretos pensando nela. A suíte do casal, por sinal, nunca esteve tão assim: do casal. Helena mudar-se-ia com o filho na quarta-feira, o dia seguinte e, por isso, algumas coisas já estavam bem encaminhadas - como os móveis que ela levou do apartamento para lá, ou seus pertences pessoais... Mas para além disso, há mudanças singelas no quarto e mudanças que fazem com que aquele ambiente não seja mais um quarto de alguém que recebe companhia, como ele recebeu a ela ou alguma ex-namorada por algumas noites. É o quarto de alguém que se inseriu em um contexto de ser par, que assumiu, alguém que quer.

Familiarizada com a cama, com o espaço e com as distribuições internas do cômodo, Helena não se acanha: depois de perceber essas imensas miudezas, ganhar beijinhos e distribuir afagos em César, ela sai por aí ocupando cada centímetro quadrado com a sua grandeza. Vê tudo o que é seu combinando em perfeita harmonia com os detalhes César na intimidade daquele closet e se dirige, por fim, ao banho. Ele opta por dar o tempo e a privacidade que talvez Helena precise - afinal de contas, um banho nem sempre é só um banho... E avisa, pela porta do banheiro após ouvir os primeiros pingos de água caírem, que vai descer, tem alguns documentos para analisar de maneira breve e fará isso no escritório. Esperará por ela no andar de baixo, para jantarem conforme o combinado com Dona Matilde minutos antes.

Alguns bons instantes depois, é possível ouvir os passos suaves de Helena descendo as escadas. Ela vê a vastidão da sala sem ninguém ali, fica um pouquinho... Hesitante, talvez? Ensaiando algum tipo de costume, como se não soubesse ao certo para onde ir a partir dali. E acho que é uma sensação normal de ter, imagina... É a primeira vez que ela se locomove pela casa sozinha, assumindo o papel de parte integrante, não apenas de visita. Não é uma questão de timidez ou vergonha porque isso bem sabemos que não combina com Helena, é só... Costume mesmo, a estranheza da mudança de hábito misturado com o frio na barriga de começar a viver algo absolutamente novo e algo que, de alguma forma, a conecta com a sua juventude, com os planos, os sonhos e o sentimento dela com ele, dela por ele em seu passado. Pelo o que se explica, os anos se passaram, a vida aconteceu e ainda assim, com César o gosto e a delícia da primeira vez sempre vai existir.

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