90. [Lacunas] Parte 75

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Sexta-feira, 19 de Setembro.

À convite de Helena - como se fosse preciso convidá-lo... -, César passa mais uma noite no apartamento da amada. O dia anterior foi atípico de muitas maneiras:  uma escapadinha em pleno dia de semana para fazer algo que os remetia ao relacionamento que tiveram no passado, que era isso de ir ao cinema. À chamado de César.

Durante muito tempo, Helena sabe, César também: eles lembravam-se um do outro nesses hábitos que desfrutavam no tempo em que tiveram vidas à dois. Como imãs que se repelem, de repente tudo aquilo que os remetia ao grande amor que se foi, era naturalmente evitado. Evitado por repulsa, por necessidade, por saudade, por não conseguir lidar com o fim... Ou por dor. No caso deles, coisas banais como assistir a um filme, ou a letra de uma música, remontava todos esses sentimentos e ainda trazia o gosto amargo do 'se', aquela dúvida do "Como teria sido?", temperado pelo querer mais - mais dos dois, mais do que sempre foi bom.

Então a noite anterior, mais do que uma noite para espairecer, para distrair dos problemas e preocupações daquela semana, foi mais uma ocasião na qual eles consolidaram a rotina como casal, com direito a um programa a dois, jantar, uma loucura de amor com um sexo inusitado - claro, proposto por Helena - e finalizado com muitas risadas e horas de diálogo entre eles. Falaram sobre a rotina, sobre o trabalho, a família, o casamento, riram recompondo o passado e, nisso de cada vez mais não saberem lidarem com a despedida, acabaram os dois na cama de Helena, com ela tradicionalmente de lado, dando de costas para César e ele a buscando para aninhá-la em seu corpo e peito.

Dia de semana, no entanto: é claro que os dois, que naturalmente já acordariam cedo para lidar com suas rotinas, teriam que despertar ainda antes, já que, no despreparo, o médico ainda teria que passar em sua casa antes de ir para a clínica.

É 6h00 quando o despertador de Helena toca. Os dois ouvem o barulho, ambos são retirados do sono de alguma maneira, se remexem na cama naquela cadência de movimentos lentos e preguiçosos que a gente faz quando o corpo ainda não está pronto para acordar. Na mesa de cabeceira ao lado, o famigerado e insistente despertador. Helena, já mais ativa, sustenta seu corpo em um dos cotovelos e se impulsiona para, com a outra mão, bater em qualquer botão que faça o aparelho se silenciar. Cumprindo com seu objetivo, ela se vira na cama, de lado, mas agora buscando ficar de frente para César, cujo corpo também repousa de maneira lateral.

Ao acomodar-se, ela o vê de olhos fechados, então se move com especial vagareza. É quando, sentindo os movimentos do corpo dela sobre a cama, ele também abre os olhos. Ficam por dois ou três segundos, cada qual com a cabeça repousada em seu travesseiro, adentrando o olhar do outro. Por fim, é ela quem se oferece: Helena estende o braço direito e alonga as costas dos dedos no rosto de César; simultaneamente, o rosto dela se aproxima ao dele. As testas se unem, os lábios quase se encostam... Mas os dois se demoram naquele chamego preguiçoso. Olhos fechados e, na quebra de silêncio, a voz baixinha e grave dela ecoa:

Helena: Bom dia...

Ele permanece de olhos fechados, mas pesa a mão na lateral do quadril dela. De imediato, um contato com o cetim frio do short de pijama de Helena; César escorrega a mão, então, e os dedos adentram a blusa, encontrando a pele quente das costas dela. Em silêncio, ela se regozija na delícia que é sentir a maneira sempre gulosa e delicada com a qual as mãos dele buscam pelo seu corpo. Nesse arrastar preguiçoso, César, de olhos fechados, vai decorando e decifrando cada uma das curvas do corpo de Helena. Desce, alisa a coxa, escorrega os dedos pela poupa da bunda. Sobe pelas nádegas, espalma as costas e, em um agir presunçoso e delicado, ele esforça seu corpo contra o dela fazendo Helena repousar as costas na cama. O tronco dele se encaixa sobre o dela, instintivamente ela o abraça. O rosto de César se aconchega no ombro de Helena para dar um beijo e, em seguida, tomba de lado no corpo dela. Boca ao pé do ouvido, sai sussurrado.

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