65. [Lacunas] Parte 50

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Por fim, sozinho no bar, no fundo do copo de whisky ele encontra companhia e sorri achando graça de tudo o que aconteceu. Minutos depois, ele ainda nota quando Mariana se retira do bar - e seria impossível não notar já que, mesmo a distância, na porta de entrada e saída do mesmo, ela para e parece que para de propósito, pois olha e sorri exatamente para ele antes de se retirar.

Mas ele continua ali e ali reflete sobre essa questão do filho, esse momento tão singular que teve ao lado de Rodrigo essa noite. Pensa no passado, nos erros do casamento, nos acertos, nas vidas que viveu com Helena... Quando sente uma mão roçar a sua nuca. Antes mesmo de virar-se, a presença dela se revela, sentando-se na banqueta ao seu lado. Era, claro, ela: Bárbara.

Bárbara chega com seus cabelos sempre longos, muito pretos e imponentes contrastando com tudo o que compõe seu visual.  O vestido vermelho escarlate contorna cada uma das curvas de seu corpo até a altura dos joelhos. Apesar de ser fim de outono, Bárbara parece ser imune à brisa fresca de São Paulo e ignora por completo o casaco que off-white que carrega em suas mãos, deixando que apenas seus cabelos cubram, entre um movimento ou outro, os ombros e as costas que ela ostenta a mostra devido aos decotes elegantes de sua roupa. 

César, claro, não deixa de reparar no conjunto da obra e ela percebe. Nenhum dos dois diz nada, apesar de saberem exatamente os pensamentos notoriamente obscenos um do outro. Bárbara faz a linha mais segura, de quem seduz na conversa, no jeito, sem grandes movimentações claras. Ela sabe que ele a está olhando, ela tem a perfeita consciência que ambos ebulem em memórias veladas, mas a maturidade da idade e da convivência, somadas ao seu requinte, fazem com que as coisas sejam conduzidas sem pressa. Primeiro, o papo de amigos, ela pensa.

Bárbara: Déjà-vu: você, no fim da noite dos congressos, no bar, apagando as angústias com um copo de whisky.

César: Poxa vida, eu sou tão previsível assim?

Bárbara: Pra mim, que te conheço bem, é, mon petit chat.

Ela brinca batendo a ponta do dedo pelo nariz dele e escolhe o assento adjacente, virando a banquetinha de lado para sentar-se de frente para César. Ela cruza as pernas, ele assiste.

Bárbara: Quais são os pensamentos de hoje?

César: Muitos, haha. Estava com o Rodrigo ainda há pouco.

Bárbara: O seu filho?

César: Ele mesmo.

Bárbara: Nossa, não o vejo desde que ele era uma criança. Ele já deve estar com o que, uns 20 anos?

César: Isso, vinte. Faz 21 em breve.

Bárbara: O tempo passa, não é?

César: Voando.

Bárbara: Não tive a oportunidade de dizer pessoalmente, sei que já faz tempo, mas sinto muito pela Izabel.

César: Eu recebi seu e-mail na época.

Bárbara: E não retornou. Danadinho.

César: Não sou muito ligado com isso, Ba, você sabe. E foi uma época complicada.

Bárbara: Você e a Izabel ainda estavam vivendo juntos? Lembro que, em Portugal, você mencionou que o casamento não vinha bem já há um bom tempo.

César: Não vinha mesmo. Você sabe que nós chegamos a nos separarmos algumas vezes, mesmo recém casados. Mais recentemente falávamos sobre isso também, mas ela não queria o divórcio. Depois veio a doença e aí... Aí ficou tudo mais difícil.

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