Noite de sábado, ainda na casa de César. Primeira vez que Helena se reúne com todos eles ali, daquele jeito, em um clima íntimo e de família que pretende-se que seja eterno.Após o jantar, o casal aceita o convite dos jovens filhos do médico para assistirem a um filme.
Todos vão para a sala; Rodrigo, o artista, se ajeita em um puff, todo solto. Marcinha escolhe sofá, o mesmo em que se sentam César e Helena. A sequência é: Marcinha em uma ponta – a ponta mais próxima ao irmão - e, lá do outro lado, Helena aconchegada em César, que ocupa o outro extremo. Dona Matilde fica em uma das poltronas avulsas.
César: – Qual é o de hoje?
Rodrigo: – Cantando na Chuva, pai.
Helena: – Jura? Eu adoro esse filme.
César: – Eu ia dizer isso.
Rodrigo: – Sério? É um dos meus preferidos.
Helena: – Meu também, meu bem.
César: – Também ia dizer isso.
Os dois se olham entre sorrisos. Ele, acariciando o ombro dela e ela, dominadora, marcando presença com uma mão inteira apoiada na coxa de César, que mantém as pernas cruzadas. Os dedos dela também se roçam em um carinho. Duelo de olhares: é como se ela dissesse algo sobre estar surpresa por ele ainda se lembrar de tudo da vida deles a dois e ele, se gabando por isso. Até serem interrompidos pela voz do jovem.
Rodrigo: – Você acredita que a Marcinha nunca assistiu?
Marcinha: – Pois é, nunca vi, tô super curiosa.
Helena: – É um grande musical, divertidíssimo...
Dona Matilde: – Com o Gene Kelly, você vai ver, um galã, Marcinha. Fazia um sucesso quando eu era moça...
Observem essa interação: todos eles aninhados no mesmo ambiente para um programa completamente caseiro em uma noite de sábado, numa troca fluída e muito natural de todos, todos falando um com o outro. Não há quem diga que é a primeira vez de Helena ali, nem que o relacionamento dos dois é, de certa forma, recente. Aquilo parece que é o que sempre foi, que é o habitual, que é o que sempre deveria ter sido. É isso que César pensa, é isso que ele sente. Não a toa, ele é quem mais observa durante todo o diálogo.
César: – Um clássico do cinema, minha filha. Helena me fez assistir tantas vezes que eu quase saía sapateando por aí quando chovia.
Rodrigo: – Hahaha, essa eu queria ver, pai.
Helena: – Eu ia amar o espetáculo, tenho certeza.
Aquela troca de olhares ternos.
Rodrigo: – Bom, vai começar...
Rodrigo solta o filme e apaga as luzes. O ambiente fica parcialmente iluminado pelas luzes amareladas das sancas e a claridade da imagem projetada. Os olhos seguem atentos filme a dentro, todos soltos em seus cantos, numa preguiçosa noite de sábado...
César afrouxa sua coluna no sofá, desce o corpo, apoia as pernas em um puff central, descontraído, em uma postura sem postura... É o César sem armaduras, em seu estado mais puro. Junto dele, ele traz Helena, que também relaxa seu corpo cercada por um abraço dele. No entanto, Helena ainda segue mais... Mais moldada, talvez. O tronco mais altivo, como se não quisesse fazer feio na primeira aparição oficial na mansão dos Andrade de Melo, um esforço para não querer parecer abusada demais, íntima demais.
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Lacunas e Desfechos.
RomanceEsta estória é inspirada na novela e se desdobra em vários capítulos, com a intenção de complementar o enredo deste casal tão querido - sem que haja, no entanto, modificações na trama original. Sabe aquilo que você sempre quis ver na novela, a ce...