77. [Lacunas] Parte 62

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Imagine a cena: Helena perdida nos braços e beijos de César. Luciana e Theo vendo-o juntos, aos beijos, mais assumidos do que nunca, pela primeira vez. Tudo bem, teve a festa fantasia na casa de César três semanas atrás, dia 23 de agosto. Hoje, também é um sábado, dia 13 setembro... Ou seja, há mais de vinte dias que todos sabem da relação entre César e Helena, têm ciência de que os rumos são sérios e que, mais do que um romance atual, a história dos dois é antiga, recheada de capítulos e costurada por um amor indelével. Luciana sabe, Theo também. Mas vê-los em um momento tão íntimo assim, é a primeira vez. Na festa, eles não fizeram questão de esconderem-se de ninguém, como é sabido. Mas a essa altura, Luciana já havia ido embora, ela deixou o evento pouco tempo depois de descer do quarto do ex namorado e flagrá-lo com a sua ex madrasta. Theo, sim, teve a oportunidade, naquela ocasião, de reparar nas interações do casal durante a festa, as conversinhas ao pé do ouvido, uma mão sempre muito íntima do corpo do outro... Mas nada que se comparasse àquilo: eles estavam, até então, a sós, envoltos por uma esfera de amor, troca e desejo que só acontece em momentos de intimidade. E eles não só flagram, como bailam um pouco com o momento porque, de início, o casal não nota a companhia. Só percebe mesmo quando a voz de Theo ecoa.

Claro que o momento é constrangedor e é constrangedor de muitas formas. Helena está aos beijos com o atual, na frente do ex, que é o pai da ex namorada de seu noivo. Não é como se Helena e César estivessem fazendo algo de errado, o que de fato não estão... Mas, de qualquer forma, é um momento inusitado.

Principalmente pra Helena, que está em trajes íntimos, completamente nua, encoberta apenas por um robe longo de cetim em cor champanhe. Todos se olham assustados e, claro, a primeira palavra vem de César, absolutamente cara de pau e exibido. O porquê da reação dele? Um enigma. Talvez seja porque ele de fato saber lidar com naturalidade diante de momentos embaraçosos. Algo me diz que, para além disso, tem o lado do ego inesgotável de César, que sempre gostou de gozar dos trunfos que tem. Helena, inconscientemente, é o maior e o melhor dos seus, a mais completa de suas conquistas. Ele gosta de exibir-se ao lado dela. E, bom... Exibi-la, por fim, em seus braços para o homem que foi, de certa forma, um marco da fuga de Helena de sua vida, tem um certo gosto especial.  Mas é claro: polido como é, orgulhoso de natureza, esse é um ponto que ele jamais admitirá. Sigamos, então, pensando que é um ato nobre de pessoa civilizada embalada pela mais genuína educação. Assim, César estampa um sorriso no rosto e ainda mantendo Helena em um de seus braços, quebra o silêncio.

César: – Bom dia.

Theo: – Bom dia. Bom dia Helena.

Helena: – Bom dia, Theo. Luciana.

Ela é a única que permanece calada. 

Aquela cena dói de muitas formas em Theo: é a materialização da perda que, apesar de inevitável, ele sabia, ele ainda conservava uma certa esperança preza por algum fio que cismava em existir. Ver a mulher da sua vida sendo amada, cortejada por outro homem, dói. Vê-la deslumbrante em tão poucos trajes leva a sua imaginação para longe e ele, num estalo, conclui tudo: as transas, a pernoite de César... Mas cortês, educado como é, ele até ensaia algum diálogo atrapalhado e é um alívio para todos os quatro quando Lucas surge aos berros, correndo e se aninha no colo do pai.

Enquanto Lucas tagarela e entretém (ou tenta entreter) o pai e a irmã, César solta um 'tchau' sorridente para Helena. Ela, que ainda estava envolta pelo braço dele, desliza a mão que trazia no ombro pelo corpo dele de forma demorada, como quem não quer deixar ir. Isso tudo acontece de forma relativamente rápida; Theo e Luciana interagem com Lucas, que fala sem parar... Talvez por isso, por julgá-los distraídos, César ainda ousa agarrar Helena de novo. Um selinho, apenas, mas é tão gostoso que Helena não tem pressa: rola os dedos pela lateral do rosto dele daquele jeitinho que ela sempre faz quando já está com saudades demais para desligar-se do amado.

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