93. [Lacunas] Parte 78

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Sábado, 20 de Setembro de 2003.

Sábado à noite: a social do final de semana ficou ao encargo de Hilda, conforme pré-anunciado na noite anterior. Não é nenhum segredo ou surpresa constatar a perfeita comunhão e sintonia que há entre as duas irmãs que, para além do vínculo sanguíneo, sempre tiveram uma relação de muita união, confidência e cumplicidade. O que vinha surpreendendo de alguma maneira, era o bom trânsito entre César e Leandro, que são de costumes e mundos muito diferentes. Surpreende em especial pelo relacionamento que Leandro sempre teve com Theo; acredito que, em um primeiro momento, até Hilda desconfiou de que o marido pudesse, não sei, torcer o nariz para o médico justamente por conta disso e de uma assimetria notável de postura e costumes abissal entre eles.

O advogado, por exemplo, sempre foi mais boêmio, sarrista, bonachão, desses que não perdem a piada e sempre têm algum comentariozinho para fazer, seja lá sobre o que for. César, o oposto: muito sério, compenetrado, uma postura evidentemente mais endurecida, cheia das formalidades e costumes desde os dizeres, às vestes. Para completar o jogo das más apostas e desconfianças, tinha o vínculo forte e já mencionado de amizade entre os três ex-cunhados: Leandro, Theo e Sérgio. Tudo podia colaborar para que essa nova junção de casais não fluísse, para que ficasse uma névoa estranha no ar, um clima artificial, forçado... Mas a vivência provou o oposto: a primeira saidinha entre casais, a qual aconteceu na sexta-feira passada após os pombinhos retornarem do Congresso, foi tão leve, divertida e fluída que eles resolveram repetir a dose. A prova inconteste de que esse novo arranjo funcionou bem para todos, foi a aceitação do convite por parte de César no imediato momento em que soube. E é nesse clima que se desenrolará a noite de sábado.

Helena chega primeiro e chega sozinha no apartamento da irmã. A porta é aberta pela sempre sorridente e bem humorada Hilda.

Hilda: Nossa, mas você é mais precisa que um relógio suíço, minha irmã.

Helena: Como diria a mamãe: é muito deselegante deixar os anfitriões esperando.

Entretido com os discos, Leandro só inclina a cabeça para apresentar-se por de trás de uma parede qualquer e se fazer visto por Helena - claro, os comentários já começariam ali mesmo, sem a cunhada ter se quer entrado ainda em seu apartamento.

Leandro: Só o que me faltava essa agora, hein? É mole, Helena, fazendo cerimônia? O que é que é, primeira vez que você vem em casa?

Helena: Pelo bom humor do anfitrião, alguém já andou inaugurando o bourbon...

Leandro: Escocês single malt, querida!

Ele pondera, erguendo o corpo. Todos já no centro da sala.

Helena: Ora! O que é, festa?

Leandro: Deveria ser... Deveria ser feriado nacional! O processo que eu venci ontem, minha querida, você não está entendendo: mereço tomar a garrafa de canudo, isso sim. Vai um?

Helena: Um pouquinho só, hein?

Leandro: Puro? Ou com gelo?

Helena: Gelo! Pelo amor de Deus... Um sol pra cada nesse Rio de Janeiro, muito gelo!

Leandro se dirige à mesa de drink no canto da sala enquanto as irmãs se acomodam no sofá.

Leandro: E o poderoso?

Hilda: Ele não vem? - Complementa, curiosa.

Helena: Vem, vem. Deve estar chegando por aí. O motorista saiu com a Dona Matilde, o Rodrigo não estava em casa e a pobre da Marcinha ficou presa, tadinha, sem ter como sair. Ele foi deixá-la na casa de umas amiguinhas e já está vindo para cá.

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