Não preciso dizer novamente que é sábado, 11 de Outubro de 2003 e que é o dia da cerimônia religiosa dos dois, porque sei que você está atenta a data, certo? Hoje é uma manhã e primavera nas terras cariocas. O clima da manhã é gostoso, agradável... Não está frio, nem excessivamente calor. Numa conjunção dos deuses, dos astros, dos búzios e do destino, parece que até o tempo se organizou para participar do enlace e contribuir de tal forma que o dia seja assim: lindo.Quando César desce a escada após ter feito aquele afago não visual, apenas sonoro à Helena - ou você se esqueceu de que, ao sair do quarto deles, ele bateu na porta do quarto dela para anunciar que a estaria esperando lá embaixo, como a esperou por uma vida toda? Mas voltemos: quando ele desce as escadas, encontra o andar térreo da casa devidamente organizado e agora menos confuso, diferente de como estava nas primeiras horas da manhã quando eles haviam descido para tomar o café da manhã.
Todos os arranjos são simples, com vieses de requinte e sofisticação, no entanto. Combina com aquilo que eles haviam acordado, não é? De não ser algo grande, mas sim simbólico, apenas. Os móveis dançaram de lugar, é verdade... Alguns nem ali estão mais, deram vez a vãos mais amplos para receberem os convidados. Os arcos elegantes que integram o conjunto numeroso de salas que compõem a parte debaixo do casarão da mansão, cheira à primavera e as portas largas constantemente abertas, se encarregam de levar para o interior o vento fresco dos altos da Gávea.
César parece ansioso, tanto que se perde: chega no último degrau da escada e não sabe ao certo como dar o último passo para mergulhar em definitivo no assoalho de madeira. É um mergulho para o altar, para a vida nova, não é? Mas é uma hesitação prazerosa, desses medos bons que a gente tem prazer em sentir e, por vezes, não quer nem que passe. Ele puxa o ar com força para dentro do peito e passa a língua pelos lábios, contemplando sozinho e em silêncio cada espaço, cada arranjo de flor, cada preparo especialmente feito para aquela ocasião.
Vindo da área externa, Rodrigo aparece em uma das portas que liga o gramado à casa. César não o vê, mas o menino vê o pai e o pega nesse misto confuso de ansiedade e prazer, felicidade e medo, alegria e... Alegria. Nesse quesito, não há sentimento antagônico, é só alegria mesmo. E ele ri. O riso desperta César, que se vê em situação de flagrante. E isso até que é bom, porque quebra um pouco o gelo e nessa conexão em silêncio ligada apenas pelos olhares e sorrisos que trocam, o médico enfim deixa as escadas e caminha pela sala. Rodrigo também. Os dois vão preguiçosamente e despretensiosamente indo um em direção ao outro.
Com as mãos encaixadas no bolso da calça de alfaiataria, César se achega nas proximidades do filho, mas ele contempla o ambiente, como se deixasse nítido que a primeira palavra trocada seria justo sobre isso. E é.
César: – Bonito, não é?
Rodrigo: – O que? A decoração?
O jovem, devidamente trajado em um terno de corte italiano em um tom moderno de azul, tenta compreender o pai.
César: – Isso, a decoração.
Rodrigo: – É, é sim. Helena e vovó mandaram bem.
Um silêncio um pouco tenso. Rodrigo está normal, mas vê uma tensãozinha no pai e, sem repercutir, ele acha graça. Atrita um lábio contra o outro observando os contornos com traços da idade no rosto do pai se desalinharem e se realinharem em expressões apreensivas, quase nervoso...
Rodrigo: – Que foi? Nunca fez isso antes?
Ele comenta, com um sorriso doce. César é atraído pela pergunta e encontra um semblante gostoso no rosto do filho... É um deboche, sim, mas sem afronta, é mais com o jeito de tirar sarro, ser leve, trazer leveza. O médico chacoalha a cabeça, como se desse a resposta em seu pensamento primeiro, até que externaliza...
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Lacunas e Desfechos.
RomanceEsta estória é inspirada na novela e se desdobra em vários capítulos, com a intenção de complementar o enredo deste casal tão querido - sem que haja, no entanto, modificações na trama original. Sabe aquilo que você sempre quis ver na novela, a ce...