Há um certo atraso entre o abrir da porta e a percepção dos dois; na verdade, eles se dão conta devido ao ranger da dobradiça, que faz barulho quando a segunda porta, a amadeirada, já está completamente aberta. Helena e César estão no fundo do elevador, com ela de costas para a abertura e envolta pelo abraço e beijos do médico, que está de frente. Assim que ouve o barulho, ele abre os olhos e vê primeiro. Helena tem que virar o pescoço, então demora mais, mas...
Os dois veem. E os dois se veem vistos. Pelo Theo, Lorena e Vidinha. Não há nada explicitamente constrangedor na cena - eles estão vestidos, pelo menos. Mas estão em um agarro gostoso, aquele clima pós transa, aquela recuperação lenta de respiração depois de um orgasmo gostoso, um abraço com paixão, um beijo evidentemente demorado, o arredor da boca de Helena todo vermelho dos chupões e mordidas, a boca de César visivelmente molhada... E há um detalhe - um detalhe que talvez tenha passado despercebido para Lorena e Vidinha mas que ele, Theo, jamais deixaria de notar: o braço de César que mantém Helena atada em seu corpo tem, de forma relativamente discreta, enrolada entre a palma e a extremidade dos dedos, uma renda na cor preta. Theo sabe os gostos de Helena, teve quinze anos de vivência com o estilo das vestes íntimas da ex-mulher e, dessa forma, para ele fica tudo muito claro, não há margem de erro: é a calcinha de Helena na mão do cirurgião. Helena está sem calcinha, aos beijos com César, no elevador.
Se pairava alguma dúvida do que havia rolado ali, ela não mais existe. Há um incômodo dentro de Theo. Ciúmes, mas também incômodo de inveja, provavelmente. A mesma mulher que se queixou por um bom tempo do marasmo da relação, de como tudo estava cinza, sem graça, sem tesão... Estava agora transbordando tesão e transando dentro do elevador com o atual noivo. Vidinha ri. Helena fica por um instante sem graça, enquanto César sorri para os três como se nada tivesse acontecido e Lorena, apesar de surpresa, sorri por igual.
Ela se retira dos braços de César com vagareza, que é a mistura de não querer sair daquele momento, com a vontade - inconsciente, talvez -, de escancarar a sua felicidade. Ela se vira de frente para os três e César, se tocando do que traz entre os dedos, recolhe a mão na qual está a calcinha de Helena, enfiando-a no bolso da calça. Há uma tentativa de fazer tudo parecer normal, mas o vestido torto de Helena, o cinto mal encaixado dele e a camisa toda amarrotada escancaram mais ainda. Se não fosse pelas vestes, o rubor das bocas poderiam, quem sabe, indicar mesmo apenas um amasso mais acalorado... Mas tem as roupas mal vestidas, tem Helena sem calcinha e o safado e satisfeito dela pós orgasmo pairando no ar - o qual Theo percebe no ato. É inquestionável para os três: Helena e César pausaram o elevador para transarem.
Há um espaço curto entre o flagrante e as ações, parece que cada um compatibiliza qual a melhor maneira de lidar com aquilo que tem inegavelmente uma pitada de constrangimento. Helena então dá dois passos em direção a saída, César a acompanha. Theo, a irmã e a sobrinha recuam, abrindo espaço para que eles possam passar.
Helena: – Boa noite.
César: – Boa noite.
Theo: – Boa noite...
Cordialidade, mera formalidade, uma tensão quebrada pela voz estridente e expansiva da ex-cunhada.
Lorena: – Ah, era vocês, é? Hum. Boa noite, uma ótima noite pelo visto.
Eles riem: Helena, um pouco sem graça e César adorando o deboche. Exibido, ela pensa.
César: – Estamos voltando do cinema.
Helena: – Pois é, fomos ver um filme de última hora.
Lorena: – Não me digam? E qual viram?
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Lacunas e Desfechos.
RomanceEsta estória é inspirada na novela e se desdobra em vários capítulos, com a intenção de complementar o enredo deste casal tão querido - sem que haja, no entanto, modificações na trama original. Sabe aquilo que você sempre quis ver na novela, a ce...