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ana luísa
5 anos depois.

sentada no banheiro eu sentia as lágrimas escorrerem pelo meu rosto enquanto eu via o resultado negativo no teste de gravidez em minha mão, eu já deveria ter me acostumado mas ainda sim me machucava. de três anos pra cá eu comecei a fazer tratamento para engravidar, com dois anos de casada eu descobri que sou infértil, acho que nunca chorei tanto assim na minha vida.

isso de algum modo me mudou bastante, consequentemente mudou meu casamento também. é uma luta interna todo santo dia e isso me corrói. na mesma intensidade que eu preciso ficar perto do carlos eu também preciso ficar longe. um toque dele em mim que demore se torna em beijo, o beijo se torna sexo e sexo se torna dor pra mim, é um ciclo.

ouvi a porta da sala abrir então corri escondendo o teste de gravidez no lixo junto da caixa, em seguida me levantei secando meu rosto e forcei um sorriso tentando aparentar que estava tudo bem.

— analu? - ouvi me chamar e corri saindo do banheiro indo encontrar ele. — tava fazendo o que? - me perguntou me olhando estanho.

— banheiro. - sorri fraco e me aproximei dele dando um selinho rápido, logo me afastando.

carlos tinha um semblante triste, cansado e seus olhos eram opacos, já não tinham mais o brilho de antes e isso me causava uma dor gigantesca, sabia que isso era culpa minha. ultimamente quase não conversamos por minha culpa, fujo dele sempre, não transamos e destruí o sonho dele de ser pai, eu também não iria querer conversar comigo.

— vai querer comer o que hoje? - ele me perguntou. — pizza?

apenas concordei com a cabeça e ele começou a pedir.

— enquanto você pede, toma banho e espera chegar vou pro escritório terminar de escrever umas coisas, tá bom? - falei recuando e ele respirou fundo concordando com a cabeça. — já volto.

dei as costas me sentindo ser fuzilada pelos seus olhos mas não olhei pra trás, não queria olhar pros seus olhos tristes mais uma vez.

entrei no escritório e me sentei na minha mesa de trabalho e comecei a revisar o que eu já tinha escrito. nesses cinco anos que se passaram eu publiquei uns textos, livros, poesias e criei um blog, surpreendente fez sucesso e hoje em dia trabalho com isso, é algo que me traz muita felicidade em meio de tantos caos. fico aqui escrevendo por muito tempo, muito mesmo, querendo ou não isso é um escape para mim, sempre foi.

abri uma pasta onde tinha coisas que eu não tinha postado e quando li um texto que eu tinha feito há uma semana senti um peso em cima de mim, porque era uma verdade.

" distância.

distância é muito ruim. é difícil ficar distante daquilo que queremos tão perto. a sensação de impotência é a pior parte. distante é o verdadeiro significado de "querer e não poder". fazemos tudo para acabar com a distância mas tem situações que não se tem o que fazer.

distante de você; distante do seu abraço; distante do que me faria muito bem agora."

terminei de ler e respirei fundo, resolvi postar. ouvi dois toques na porta e quando levantei a cabeça vi cadu já com a roupa de dormir e o semblante cansado.

— ou, chegou. já arrumei a mesa pra gente, vem? - me pediu e eu concordei com a cabeça, e ele foi na frente.

me sentei na mesa junto dele e estava tudo ajeitadinho, ele até tinha escolhido meu sabor favorito. cadu cortou uma fatia e me entregou.

— obrigada! - falei baixinho. — como foi seu dia? - fiz a pergunta que fazia todas as noites e ele depois de mastigar me respondeu:

— um pouco pra baixo. lembra daquela minha paciente de cinco anos atrás? que tinha câncer? - me perguntou e eu concordei.

— eu lembro sim, o que tem ela? - perguntei após engolir.

— ela voltou, descobriu um câncer de mama agora. - falou triste e eu soltei o garfo parando de comer, dando mais atenção a ele.

— metástase né? - perguntei mais uma vez e ele só concordou. — ela vai superar esse também, você vai ver.

— eu espero. e como foi o seu dia? nada para me contar? - me perguntou de uma forma diferente, me fazendo ficar com a pulga atrás da orelha.

— meu dia foi como os outros, nada demais. - ele ficou me olhando mas não disse nada. — não entendi.

— eu vi o teste de gravidez que você tentou esconder no lixo, ana luísa. - ele falou e ficou me encarando.

— eu não quero falar sobre isso. - falei respirando fundo, já me cansando desse assunto.

— eu entendo que é complicado, analu. mas tínhamos prometido que você iria me falar quando tomasse qualquer atitude sobre gravidez. - ele falou com a voz mansa mas visivelmente estava chateado e incomodado.

— acha que é legal dar a mesma notícia todo mês? eu me canso, tenho esse direito. - falei ficando irritada.

— e você acha que é legal ficar descobrindo coisas sobre um possível filho porque vi uma caixa no lixo? - me respondeu com outra pergunta.

— não estou dentro de você pra saber o que você sente ou deixa de sentir, carlos eduardo. - falei séria.

— exatamente. - ele falou olhando dentro do meu olho e eu senti aquilo me atingir fundo, então apenas me levantei levando o prato pra cozinha.

— nem você está dentro de mim pra saber o que sinto ou deixo de sentir. - falei quando passei por ele mas não tinha resposta.

em passos rápidos fui até o quarto e tomei um banho, em seguida coloquei uma camisola qualquer e me joguei na cama tentando dormir e esquecer essa discussão. pensei, escrevi, li, refleti e chorei, menos dormi. só consegui descansar quando cadu se deitou ao meu lado, e por mais que tivesse uma almofada em nosso meio eu me sentia tranquila por saber que ele estava aqui.

:)

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aiai

intimidade.Onde histórias criam vida. Descubra agora