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ana luísa

eu cheguei a entrar na casa de jéssica, mas quando eu abri a porta tive a surpresa de ouvir a família do cadu se lamentar por eu não ter realizado o desejo dele de ser pai. eu estava tentando, eu juro. já fiz todos os exames e tratamentos possíveis, já até tentei inseminação e obviamente não tive o resultado esperado. evito beber álcool, não tomo mais os antidepressivos a um bom tempo e tomo e faço todas as rezas que me falam. eu sinto muito por não conseguir engravidar, sinto muito. mas depois de ouvir aquelas coisas da minha sogra me senti pior ainda, me senti insuficiente.

— ana luísa, não é bem assim..- ele ia tentar se explicar.

— seja objetivo, responde com sim ou não.

— sim, eu sinto muito. - ele me respondeu e eu concordei com a cabeça.

senti muitas coisas, mas o sentimento que sobressaiu foi a raiva.

— mas sabe que não parece, carlos? - falei cruzando os braços olhando para ele com todo deboche possível. eu estava cega de raiva. — quando eu decidi parar de fazer o tratamento para engravidar você só faltou soltar fogos, riu com a sua família o dia inteiro enquanto eu sentia a dor de não poder gerar um filho. esse é o seu jeito de sentir muito?

— isso não é justo, ana luísa. você vai me culpar? - ele perguntou ficando nervoso também.

— sim, eu vou. - apontei para ele. — eu carrego essa dor comigo todo santo dia e você parece nem se importar.

— eu pareço não me importar? olha as merdas que você está falando. - ele disse chocado.

— merda foi as coisas que sua vó disse e você concordou. você me chateou, cadu. me decepcionou. se você tem algo para falar sobre gravidez é só falar comigo, quem vai gerar o filho sou eu e não os outros. eu sinto que minha intimidade foi exposta e eu odiei isso, se fosse ao contrário eu nunca teria feito o mesmo. - falei sentindo vontade de chorar. — mas tudo bem, você não entende.

— você tem razão, eu não entendo..- ele ia continuar falando.

— eu não terminei. - falei séria e ele se calou. — pra você é fácil, é só enfiar o pau em qualquer uma e consegue realizar teu sonho. porque você não faz isso de uma vez? as vezes eu sinto que é esse o seu desejo.

— meu desejo é que você pare de falar tanta merda e volte a ser como antes, volte a se ser a mulher que eu me apaixonei.


ficamos nos encarando, eu não tive coragem e nem resposta para o cadu, aquilo me doeu. ele me olhava como se não me conhecesse e eu odiava vivenciar isso, eu odiava viver no momento. carlos só saiu de perto de mim quando viu meus olhos formarem lágrimas, se escondeu no quarto e eu me escondi dentro de mim. me encolhi no sofá e chorei feito criança sentindo uma tristeza sem fim. me senti um lixo. dormi em posição fetal, só lembro de sentir os braços do meu marido me envolver e ele subir pro nosso quarto.

por mais que a gente brigue, não conseguimos ficar um longe do outro. na mesma intensidade que eu quero o cadu longe de mim, também quero ele perto. por mais que seja preocupante, gosto da forma que o cadu está sempre aqui para me acolher, mesmo que eu tenha acabado de dizer as piores coisas para ele.. carlos me conhece tanto ao ponto de saber diferenciar quando as coisas que eu falo em uma discussão podem ser levadas a sério e quando não.

(...)

no outro dia acordei com a surpresa da minha mãe e dona lúcia aqui, pelo visto meu marido tinha ligado e falado que eu não estava bem, e que eu precisava delas. quando acordei ele já não estava mais aqui, por mais que fique um clima chato, eu gostaria de ver ele pela manhã.

— eu entendo totalmente que elas não falaram por mal, mas ouvir isso é triste. é como se estivessem falando pelas suas costas. - dona lúcia falou.

— exato, por mais que não tenha sido por mal você tem o direito sim de se chatear e colocar os seus sentimentos pra fora, você é humana, filha. só você sabe como se sente nessa situação. - minha mãe completou.

— poisé..- falei respirando fundo e dei um gole no café.

até que ouvimos a campainha tocar, olhei para minha mãe e em um suplico e ela foi atender, não queria me arrastar pela casa e nem fingir que estava feliz por receber alguém. ouvi passos e quando olhei para a entrada da sala, januza e jéssica com eloá no colo vinham. respirei fundo querendo sumir e me levantei indo até o sofá. elas se sentaram na minha frente e eu me estiquei pegando eloá fazendo carinho na minha afilhada.

— já sabemos que você escutou, não viemos pedir desculpas e sim nos explicar, não queremos que fique um clima chato, sabe? amamos tanto você, analu. somos família. - jéssica disse.

— exato, filhinha.. fiquei bem chateada quando soube que você esteve lá e ouviu aquelas coisas.

eu estava querendo vomitar, estava ficando enjoada com toda essa situação. eu só tinha olhos para eloá em meu colo. se você sabe que é um assunto complicado, sabe que eu ficaria chateada se ouvisse alguém comentando, então porque fala? na minha cabeça não faz sentido algum. elas falaram muito, mas eu não prestava atenção em nada. não queria.

— eu sei que é triste, mas acontece. eu também tive dificuldade para engravidar. - dei um sorrisinho para eloá e levantei a cabeça olhando para ela.

— mas a dificuldade que você teve foi dinheiro, não é? não encontrou médicos que tenha gostado..o meu problema é que não consigo segurar um filho na minha barriga mesmo. - falei e pude ver ela ficar sem graça.

não foi a intenção, até por que amo a jéssica mas é a uma verdade. deixei um beijinho na mão da minha afilhada e entreguei a neném para sua mãe.

— vocês vão me desculpar mas não estou em um bom dia. - falei aquilo torcendo para que elas fossem embora, e isso aconteceu.

quando as duas foram embora pude ficar mais a vontade com a minha tristeza.

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