ana luísa
segurava na mão da dona lúcia enquanto o médico lia o resultado dos seus exames, quando ele terminou de ler, tirou os óculos e se aproximou da gente eu senti vontade de chorar, porque sabia que não era coisa boa.
— vamos, doutor. fala! - dona lúcia falou tentando mostrar que estava tudo bem mas ela visivelmente estava assustada.
— dona lúcia, as sessões de quimioterapia não tem adiantado tanto, diminuímos o câncer na sua mama só um pouco. vamos ter que operar o quanto antes para não termos mais dor de cabeça. - o médico disse com cautela e senti minha mão ser apertada.
— como assim dor de cabeça? - perguntei me fazendo carinho na mão da mais velha.
— metástase. - ele disse e meu coração apertou. — para isso não acontecer vamos continuar fazendo as sessões de quimio, evitar estresse, esforço e marcar sua cirurgia o quando antes.
— tudo bem, doutor. o dia que você quiser me operar eu quero também. - ela disse toda fofinha e eu senti vontade de guarda-la só pra mim.
conversamos mais um pouco e depois de 30 minutos saímos do consultório indo em direção ao meu carro, no meio do caminho ela não falou nada, estava pensativa. só abriu a boca quando parei em frente seu condomínio.
— filhinha, obrigada tá? com você aqui do meu lado as coisas ficam mais fáceis, sabe? - disse com um sorrisinho no rosto. — você uma filha que deus me deu.
— dona lúcia a senhora não tem que agradecer, faço isso porque te amo e estou retribuindo todas as vezes que a senhora me ajudou. - falei fazendo carinho na mão dela. — falando em filha, agora a senhora vai ter que parar de ficar segurando os pepinos da sua filha hein? hora de pensar em você, chega.
— eu queria muito, analu. mas tem o meu netinho, não posso deixar ele de mão, tenho que ajudar como posso. - ela falou e eu concordei.
— eu ajudo, não tem problema.
ela me falou mais algumas coisas e foi embora com a ajuda do porteiro. no meio da caminho comprei algumas besteiras já que danúbia iria dormir lá em casa hoje, ela e cadu não se desgrudavam, ela vivia lá em casa jogando videogame com ele, quando não era isso, era ligação de vídeo.
(...)
— sai, você nem sabe jogar! - danú falou brigando comigo enquanto eu tentava pegar o controle da mão dela. — sua chata, tá me fazendo perder!
ela falou e eu gargalhei.
— vocês estão me excluindo, não tô gostando disso. - falei emburrada e ela me deu língua em seguida sacudiu os ombros pra mim. — saudades de quando você me amava.
— deixa de ser dramática, garota. - cadu falou rindo e eu ignorei ele. macho feio.
— para de gracinha. - danúbia falou focada no jogo e eu me levantei fazendo questão de passar na frente deles.
— vou pro meu quarto, fiquem aí destruindo o cérebro de vocês. - falei e os dois nem me olharam.
subi pro meu quarto em passos longos, sem pressa alguma. tomei outro banho enquanto refletia em diversas coisas. acabei lembrando de uma situação. certo dia cadu me perguntou por que eu tomava tantos banhos e tão longos, lembro que eu respondi que a água quente fazia bem pra minha pele e que era relaxante. mas na verdade é por que é o único momento que me permito viver o luto de forma vulnerável, único momento que me permito chorar por ainda não ter realizado meu sonho de ser mãe. me sinto impotente. além. eu me sinto fraca por precisar de um luto quando ninguém morreu, só meu sonho.
acho que chorei muito mais que vi o sangue escorrendo pelas minhas pernas, eu já deveria ter me acostumado, acontece todo mês..mas na atual situação que eu vivo é muito frustrante e angustiante ver isso acontecer. fiquei no banho por mais meia hora. me enrolei na toalha e fui pro quarto, cadu estava sentado na beira da cama olhando pro nada, só despertou quando me viu. queria saber em que ele estava pensando.
— demorou. - ele falou e eu concordei com a cabeça, quando carlos me viu pegando um pacote de absorvente abaixou e respirou fundo.
— quis relaxar. - falei apenas isso e vesti um pijama qualquer após colocar o absorvente.
saí do quarto sem falar nada e fui até o quarto de hóspedes onde estava danúbia que já dormia, deixei um beijo em sua bochecha e testa e voltei pro quarto, cadu já estava pronto para dormir, deitado em seu lado da cama mexendo no celular. apaguei as luzes e me enfiei debaixo das cobertas ficando de costas pra ele, pude sentir o mesmo me olhar mas não abriu a boca pra falar um nada. então chorei em silêncio pensando no ocorrido do chuveiro. que raiva.
— boa noite, pretinha. - cadu me disse dando um beijo na minha bochecha e me abraçou apertado, consequentemente chorei mais e ele ficou me fazendo carinho. — te amo.
— eu também. - falei em um sussurro, torcendo para que ele não percebesse que eu estava chorando.
não sei quanto tempo demorou, só sei que dormi recebendo os carinho do meu marido.