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A fome dela era selvagem, Andrômeda arranhava a fina pele pálida dos braços, sentia a boca salivar, mas evitava morder a língua por causa dos dentes excessivamente afiados — se bem que ela estava com tanta fome que...

Não! Ares me pediu pra nunca mais comer nenhuma parte minha, é mal educado e eu não sou mal educada.

Mas ela queria chorar toda vez que o estômago roncava, prendia as mãos entre os cabelos azuis lisos, puxando-os pela raiz como se aquela dor ínfima fosse a distrair. Mas ela só pensava na fome...

FOME.

Então ela ouviu um barulho, passos... COMIDA.

Andrômeda viu o exato momento em que o manto rubro surgiu e ela se encolheu no canto da sua cela. O cheiro de sangue fresco apenas piorava seu autocontrole, mas era Misha, e a Conselheira Rúnica não era comida.

OUVIU ISSO, BARRIGA?

—Está com fome, não está? — A voz angelical chegou nos ouvidos pontudos da adolescente, que sabia que choraria se abrisse a boca, deixando que a conselheira se contentasse com um aceno de cabeça simples e rápido — Não quer falar? — A garota balançou a cabeça em positiva, então parou e balançou em negativa, confusa. Ouviu a risada doce e suave da mulher — Tudo bem, eu entendi.

E então os olhos castanhos amarelados da mulher se voltou para o corredor vazio e assentiu uma vez, e então um grito, uma pessoa viva, tudo aquilo era para Andrômeda?

A menina observou, sedenta quando o homem foi arrastado por dois guardas, se sentiu mal pelo desespero no olhar dele e quis pedir para que o matassem antes dela devorá-lo.

Mas a fome era maior que tudo, e ela mal ouviu o ranger da porta da cela fechando-se antes de saltar no pescoço do homem, os dentes excessivamente afiados enterrando-se e partindo pele e carne, transformando-o num chafariz de sangue.

Ele gritava e gritava, engasgando-se, mas Andrômeda só conseguia pensar atenção no gosto delicioso que carne fresca tinha. Mas mesmo consumida pelo desespero feral da fome, a voz de sua amiga ecoou pela cabeça.

Nem todos gostam de carne de pessoas, por isso tem um canto escuro na sua cela.

E então Andy arrastou o homem para aquele vão antes de enterrar a boca em sua barriga, rasgando-o até chegar em suas entranhas, sentindo a textura borrachuda e o gosto forte de sangue misturado com o forte da carne.

Mesmo no seu frenesi, ela agarrou o intestino do homem com as mãos quando o buraco era de um tamanho decente, rindo com a pedaço esquisito escorradio em suas mãos, jogando para um canto qualquer junto com mais uma porção daqueles — Ela tinha aprendido a lição da última vez.

E depois de longos minutos, quando o que um dia tivera sido um corpo saudável, tornou-se apenas um amontoado de ossos bem raspados num canto, Andrômeda se ergueu, sentindo-se revigorada, a risada infantil destoando completamente das roupas e boca manchadas de sangue — Mesmo que algo nela ainda a fizesse parecer uma criança.

—Por que estava há tanto tempo sem comer? — Misha notou, o moreno cenho franzido.

—Cresseida me prendeu naquele buraco escuro de novo — Andrômeda respondeu com aquela voz fina e rouca, limpando a boca no antebraço, os olhos totalmente rubros brilhando com lágrimas — Eu não gosto de ficar lá, é escuro — Ela choramingou chegando mais perto da cela, aproximando-se do toque das mãos finas e longas de Misha, deixando que a Conselheira Rúnica tirasse alguns fios de cabelo do rosto dela antes de alisar sua bochecha. — Não gosto de Cresseida, ela é .

—Nem todo o sangue em tuas mãos torna-te suja, não é? — A mulher falou com um sorriso doce, limpando a lágrima solitária que escorreu pelo rosto sujo — Falarei com Cresseida o quanto antes a respeito dessa atitude, permite?

Andrômeda assentiu, mas sabia que era mentira. Misha, no fim das contas, era um rato de laboratório como ela, sua voz não tinha poder algum a ninguém além das pessoas que ocupavam aquelas celas.

No final das contas, não importava de que lado da cela elas estivessem, ambas estavam presas.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora