Ares era o único verdadeiramente atento à entrada para os calabouços, todos os sons o assustando, deixando-o à espera de Alastor. E ele esperou e esperou, inabalável pelo nervosismo quase palpável de Misha, que andava de um lado para o outro, roendo as unhas já pequenas pela quantidade de vezes que ela já tinha feito aquilo.
—Você andando de um lado para o outro está me deixando enjoada, Sorscha — Andrômeda reclamou, abraçando a própria barriga, mesmo que totalmente alheia ao que tinha sido planejado, estava ficando ansiosa apenas por ver a amiga ansiosa.
—Foi mal, foi mal — Sorscha pediu, mas ainda não parava de andar, não conseguia ficar quieta no lugar, não quando ela sentia como se o coração estivesse palpitando em sua garganta e pudesse sair a qualquer momento.
Até que la viu o manto negro e congelou no canto esquedo da cela, encarando a figura sinosa que se movia com a msm fluidez que a correnteza de de uma nascente.
Ares esconde o brinco, mais que por segurança do que por hesitação de verdade: sabia que era Alastor, mas e se não fosse?
—Por que você voltou, Alastor? — Andrômeda perguntou curiosa, estendendo as pernas, observando a figura escura com inocência brilhando em seu olhar demoníaco.
—Tem algo de errado com os Neera — Ele falou sem ousar tirar o manto e revelar seu rosto — Tivemos um encontro com a Princesa Zavattari, ela sequer sabia quem éramos nós, os Anjos Dourados estão com medo disso.
—Quem disse isso? A Misha ou Lazarus? — Sorscha perguntou, vendo-o erguer o rosto para ela com uma confusão nítida.
—E isso importa?
—Acredite ou não, isso importa — Ares sentiu vontade de rir com a realização de que a única certeza que tinha além de sua vida curta, tinha se esvaído: a certeza de que poderia confiar nas palavras da Sacerdotisa.
—Misha — O arauto declarou sem conectar necessariamente sobre o que estava falando, mas Ares e Sorscha se entreolharam com alerta. — E ela fez um belo show dessa vez, acho que ela realmente foi impactada com as palavras de Morwenna, achei que ela fosse chorar.
—Misha é gentil comigo — Andrômeda lembrou — Ela sempre me pede desculpas antes de me machucar, e se eu for bem educada ela até tira a minha máscara estranha.
A garota dragão sentiu um gosto amargo na boca ao ouvir aquilo, não sabia se invejava aquela pureza no coração da canibal, ou se temia por onde ela iria acabar com aquilo.
—Ela é a menos pior dos Rúnicos — Alastor cruzou os braços, recostando-se no canto entre a cela de Sorscha e Ares — Nisso eu tenho que concordar
—Mas sua irmã é Rúnica — O amigo rancoroso falou, tentando raciocinar em voz alta.
—Por isso mesmo — Ele repetiu, qualquer reação oculta pelo manto pesado de veludo, tornando-o quase camuflável às sombras — Fico me perguntando se o cérebro dela desceu para os braços.
—Então era isso: vocês fizeram mistério apenas para Alastor fofocar com a gente? — Andrômeda inclinou a cabeça em dúvida, confusa com todo o alarde e ansiedade da amiga.
—Calma, An...
—Ela tá certo Sor, eu deveria falar de uma vez — Alastor interrompeu a garota, encostando a sua cabeça como se realmente estivesse exausto, e cedeu para os amigos, um vislumbre de um olhar frio. — Os Anjos Dourados acham que tem alguém mentindo, a Sacerdotisa e Lazarus estão muito reclusos desde o último experimento com Andrômeda, alguma discussão toda sobre a interferência da Morwenna.
—Reclusos como? — Ares questionou se endireitando, aproximando-se das grades e sentindo-se repentinamente muito preocupado.
—Não saem mais do templo a não ser que estejam vindo para cá, e se recusa a receber qualquer um que não esteja de manto dourado, ninguém sabe do que os quatro estão com medo... o Anjo falou que eu deveria avisar sobre isso, que as coisas podem, e provavelmente vão piorar para vocês — Piorar? Piorar? Eles achavam impossível que a situação deles poderia piorar. Ares sentiu vontade de rir com o cuidado dos Anjos, mas sabia que Andrômeda precisava daquele conforto.
Seja lá o que faziam com ela, a cobaia precisava daquele conforto para não quebrar e cair. Então ele engoliu a risada com o amargor de que ele poderia ser forte e levar as desgraças com leveza.
—E tem como piorar? — Andrômeda balbuciou olhando para o chão, pensando nas cicatrizes que a sua pele rapidamente cicatrizada escondia, todos os cortes, as dissecações...
—Sempre tem — Alastor se lembrou, mesmo que soubesse do que faziam com os seus amigos, ele estava tão alheio quanto todos. Não havia como entender de fato, não quando ele tinha a liberdade de ir aonde quisesse e quando quisesse — Mas de acordo com os Anjos Dourados, vocẽs precisam aguentar tudo por um propósito maior e...
—Eu não quero um propósito maior, eu só quero sair daqui –- Sorscha murmurou para si mesma, sabendo que o arauto tinha a ouvido quando ele pigarreou.
—Precisam se manter unidos, por Andraste — As palavras soaram como uma ordem, mas ecoaram pela mente do incrédulo, rolando pela língua como um ácido corrosivo de sua honestidade. Mas ele estava disposto a fazer isso para garantir que eles tivessem algo pelo que lutar e se manterem vivos.
—E a gente tem escolha? Ou é isso ou é morrer — Ares retrucou, pela primeira vez esquecendo da gentileza que ele tentava transparecer ao lado de Andrômeda.
—Eu sinto muito — Alastor murmurou, tirando a luv de uma das mãos antes de estendê-la para Sorscha, que caminhou até lá para entrelaçar-la, sentindo o metal frio contra a testa ao apoiar a cabeça na barra — Eu queria tirar todos vocês daqui, mas...
Eles os rastreariam antes que cruzassem a fronteira para a cidade, ou que dessem um passo para fora do forte de pedras mágicas. Ele podia abrir as portas e guiá-los para a saída, mas todos morreriam assim que notassem a fuga das cobaias.
—Nunca vamos fugir — Andrômeda tremia, o desespero da realização a atingindo, mas Sorscha sentiu aquela mudança como se ela fosse uma adulta reagindo àquilo — Eu tô esperando há 19 anos pra sair daqui, 19. Anos.
—Andy, fica fria — Ares respirou fundo, contendo a própria raiva, priorizando a frustração dela — A gente também tá preso aqui, mas pelo menos a gente não tá sozinho.
—Eu preferia estar sozinha aqui do que ter que ver vocês apodrecerem aqui comigo.
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Noite Eterna, Coração Etéreo
RomanceRuelle é uma entidade criada para proteger o mundo, mas talvez o amor cegante possa comprometer sua missão e fazê-la destruir tudo aquilo que ela nasceu para preservar. Satori é uma jovem adulta com grandes poderes, mas talvez nem todo o poder do mu...