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Os amigos retornaram quando o sol se pôs e manchou aquela única janela do lado de fora das celas de preto com o anoitecer. Andrômeda acordou com o soluço de Sorscha, que chorava incontrolavelmente na cela à frente de Andrômeda.

Cada um deles tinha um apelido, Ares, o garoto desmaiado no chão da própria cela, ensopado de suor era o Carniceiro de Ferro, Sorscha, coberta em sua beleza celestial com os cabelos brilhantes — literalmente brilhantes — era chamada de mãe dos dragões.

Eram nomes legais, Andrômeda não entendia por que a chamavam apenas de A Besta.

Ela fingia que dormia quando eles chegavam, porque sabia que estavam cansados e forçariam um sorriso gentil para Andrômeda ao primeiro sinal que estava acordada, então ela os observava daquele vão escuro.

—Tá cicatrizando, Sor? — Ares perguntou com a voz rouca, Andrômeda sentiu o cheiro de sangue no momento que ele abriu a boca.

—Doi muito — Ela soluçou novamente, e Andrômeda se arrependeu de abrir o olho para ver do que eles estavam falando.

Sorscha era um anjo, A parte de dentro brilhava como se fosse uma cascata cacheada de lava, enquanto o restante era preto, clareando até tornar as pontas brancas.

Mas ela não parecia angelical naquela hora: Ambos os ombros em carne viva, o processo de cura era rápido o suficiente para que Andrômeda visse a pele curando-se e formando escamas com um brilho alaranjado em baixo, salpicando a pele morena de dourado e laranja como se sua carne fosse da cor de ferro derretido.

Andy sentiu raiva, sentia raiva toda vez que machucavam os seus amigos, que via Sorscha chorar ou Ares mutilado sem sequer conseguir se levantar. Andrômeda virou o rosto para a parede, fechou os olhos e forçou-se a dormir novamente.

Apenas para acordar e descobrir que tinha chegado a vez dela, o ranger da porta metálica abrindo-se, ela reconheceu os olhos cor de lavanda de Cresseida e pareceu despertar instantaneamente, chorando e se esgueirando para o canto, como se a parede fosse fechar-se e impedir ela de sair.

Mas não impediu quando a mulher ergueu-se sob a capa preta de veludo, apontou para a criança e os guardas não se importaram com os gritos e a forma que as lágrimas escorriam incontroláveis pelo rosto imundo.

Ela se debatia e rosnava, ameaçando mordê-los. Mas bastou que arreganhou os dentes para ter a boca selada com aquela focinheira de metal. Ela não culpava a Sacerdotisa, mesmo que tivesse implorado diversas vezes para manter Cresseida longe das celas, não culpava a mulher por nada.

Andrômeda nunca cedia fácil, debatendo-se e forçando os pés no chão para não ir, até que os homens fortes a levantavam para que seus pés não encostassem no chão e a levavam para aquela sala alguns andares acima, longe o suficiente para que a menina se cansasse de chorar e se debater e passava a caminhar com os próprios pés, guiadas por Cresseida e os homens atrás como uma escolta.

Ela observava os belos jardins ao redor do templo de Morwenna, assim como apreciava o pântano sem vida abaixo das ruínas. Mas acima de tudo, procurava os únicos do lado de fora que a defendiam: Os Anjos Dourados, as figuras gêmeas sem rosto, vestidos com as capas douradas mais lindas que ondulavam como ouro líquido.

Mas os anjos não estavam por lá, e ela quis chorar de novo ao ouvir o ranger da porta metálica no corredor vazio.

Ela sentiu as faixas de couro, depois as correntes imobilizarem ela na parede, os aneis metálicos quase sufocando-a de tão apertados, os braços bem estendidos e os pés mal roçando o chão.

—O que quer que eu faça hoje, senhora? — Era outra mulher vestida numa túnica negra, mas Andy reconheceu o arco dourado que prendia a capa antes que a touca caísse.

Misha gostava daquilo tanto quanto Andrômeda, mas obedecia Cresseida como se fosse uma cadela. E por isso ignorou os gemidos de tristeza, implorando para tirar aquela focinheira e deixá-la respirar.

—Isso é fraco, a magia disso mal passa de um fio do que me prometeu quando a usou nos seus experimentos — A Cresseida falou abaixando a própria túnica, expondo a careca repleta de desenhos e arabescos negros no couro pálido — Melhore isso até o final do dia, tome o tempo que precisar.

Os olhos amarelos acinzentados de Misha se voltaram para Andrômeda, e então se voltou para o chão, um pedido de desculpas silencioso e um anúncio claro: aquilo iria doer.

Mas sempre doía, então qual a diferença?

—Pela Andraste? — Misha perguntou assim que a verdadeira tirana saiu, Andrômeda assentiu uma vez, repetindo mentalmente que faria tudo pela Andraste.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora