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Inara era aterrorizante. Um símbolo de puro mal entre aqueles que estudavam o que todos diziam que não deveriam, e um anjo para os tolos de mente e corpo. A beleza estonteante dos cabelos cor de fogo e os olhos rosa não enganava nenhum historiador verdadeiro, eles sabiam o monstro que espreitava por baixo da pele cor de carvalho e repudiavam-na.

Elas também são pessoas, mãe! Por Otsana! Elas são suas filhas também, não seja inj- — Ruelle, Morrigan na época ouvia a conversa mesmo distante da porta que consistia numa tábua de madeira com dobradiças. Um estalo soou, um tapa.

—Nunca mais ouse profanar tal barbaridade! — Inara gritou de volta, como se quisesse que as proles ouvissem — Você, Nathaniel, és meu filho, mas aquelas coisas são aberrações, falhas!

Kamari olhou para a irmã encolhida no canto do cubículo que chamavam de quarto, sentada no monte de feno que chamavam de cama e se ajoelhou diante dela, tapando seus ouvidos, as asas negras envolvendo as penas prateadas das asas de Morrigan. Kam forçou um doce sorriso nos lábios ressecados, tentando banalizar a situação deprimente que viviam.

—E não há nada que eu me desonre mais, do que você me reconhecer como filho — A menina ouviu, agradecendo por impedir a irmã de ouvir as palavras tão duras — Isso me lembra exatamente do erro que sou.

O homem entrou no quarto delas, apesar de ter 17 anos, se erguia como um gigante quando comparado com as figuras desnutridas que eram as gêmeas aos 14. Ele se ajoelhou ao lado delas, cutucando Kamari para que revelasse a irmã, e ambas o encaravam com curiosidade.

—Fugiremos no solstício de inverno, preciso que preparem tudo e mantenham isso em segredo, conseguem? — Ele pediu e as duas assentiram de prontidão. O prazo era curto: cinco dias para roubarem roupas e alimentos.

Adeline sabia que estava presa em algum lugar próximo de alguém, mas quanto mais gritava, mais parecia ter a sua vida sugada de si. Então ela se encolhia silenciosamente no breu, aceitando a pequena derrota de poder apenas ouvir as conversas.

—Esse lugar fede pra cacete — Lia reclamou, abrindo novamente aquele pedaço de papel amassado que uma garota maluca tinha lhe dado e erguendo-o à sua frente, vendo como os rabiscos desenhados complementam perfeitamente aquele corredor sujo.

—Achei que a gente tinha combinado de nunca mais usar nossos títulos de divindades dentro dos Emissários — Ethan balbuciou com um pouco de confusão aparente, lembrando do susto que tinha sido quando a irmã lhe pedira ajuda, dizendo que tinha encontrado alguém que eles juravam estar morto.

—E eu achei que todos com dons de premonição tinham morrido, e do nada aparece uma garota de olho branco falando que eu deveria vir para cá: ambos fomos contrariados.

—Cala a boca — Ethan ordenou, vendo a gêmea encará-lo com incredulidade, prestes a abrir a boca novamente — Não, eu tô falando que é pra você ficar quieta porque eu tô ouvindo alguma coisa.

E então ela também ouviu, baixo e abafado pelas portas de metal, mas definitivamente era uma voz. Eles aproximaram os ouvidos das portas conforme continuavam seguindo pelas paredes, até que ouviram nitidamente um pedido de socorro, e Ethan sequer hesitou antes de arremessar a porta pesada de metal para longe e livrar a saída de sejá lá quem estivesse lá dentro.

A garota era jovem, cambaleando para a saída e jogando todo o seu peso em cima de Lia, que também não hesitou em pegá-la no colo. Eles sabiam que ela era Colerum — mesmo com o fedor de urina e morte, ela cheirava exatamente como um herói Colerum, além daquele broche pendurado em seu peito.

Mas eles sabiam que ela era boa, como um instinto, eles só sabiam que ela era boa.

—O que a gente faz? — Lia sussurrou, mas Ethan já mexia no próprio telefone, ligando para alguém — Ei, o q- o que você tá fazendo.

—Alex! Oi! — Ethan cumprimentou — Olha, a gente encontrou uma Colerum aqui, ela parece ser bem nova, estava com os Emissários e a gente já resgatou ela — O garoto foi desenvolvendo e a irmã quis rir ao ver o telefone em suas mãos trêmulas — A gente se encontra na fronteira daqui meia hora, o caminho vai ser meio longo.

—Mas daqui para a Academia, se a gente for voando não dá nem vinte minutos — Lia o lembrou enquanto o via guardar o celular.

—Quer mesmo levar ela assim?

—Ela não é problema nosso — A garota bufou.

—É meio engraçado falar isso com ela no seu colo como um bebê, agora vamos: tem uma cafeteria na cidade vizinha, só vamos levar ela para tomar um ar e juro que entregamos ela.

—É meio engraçado falar isso com ela no seu colo como um bebê, agora vamos: tem uma cafeteria na cidade vizinha, só vamos levar ela para tomar um ar e juro que entregamos ela

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—Então vocês são as Sombras Gêmeas? — Adeline perguntou, devorando o terceiro pão que os irmãos tinham pago a ela, deixando o café quase fumegante para outra hora.

—Não, eu sou Lia e ele é o Ethan, Sombras Gêmeas é só para os que vão morrer — A mulher se recostou no banco, e foi ali que Adeline finalmente notou o quão doutrinada era, mas não pôde evitar de perguntar.

—Eles realmente tinham me deixado para morrer? — Ela murmurou, encarando o prato vazio.

—A gente sente muito, de verdade — Lia a respondeu indiretamente, lembrando de quando tinha visitado o café de Macaria alguns minutos depois que o casal já tinha saído e a ouvir lamentar sobre como eles tinham lidado com o desaparecimento da pupila. — Eles... só são assim, a Conclave sempre foi assim.

—E por que vocês me salvaram? Não sabem se eu sou tão ruim quanto eles, pra quê arriscar?

—Não somos os monstros que te contaram, garota — Ethan falou pela primeira vez desde que ela tinha acordado, uma voz quase visceral, que fazia suas entranhas se contorcerem — Você precisava de ajuda, nós te ajudamos. Às vezes as coisas são só mais simples do que parece.

Lia soube que Lysandre tinha entrado na cafeteria como combinado só pela expressão de admiração que Adeline fez, como se discutisse metalmente a distância de faixa etária e o quão problemático seria se envolver com o druida.

Ele causava isso nas pessoas, os olhos verdes tão felinos quanto de um gato e a forma que seus cabelos negros e tranças repletas de adornos dourados caíam numa castaca sobre a camiseta vermelha de time de basquete.

Lysandre era o entrelace perfeito entre a beleza vitoriana delicada e a jovialidade da atualidade.

—Vocês poderiam ter me avisado antes, não é? — Lys exigiu quando se aproximou o suficiente para que eles conseguissem ouvir — Vamos logo, Alexina já está nos esperando e a Rue tá agindo como uma adolescente inconsequente.

—Tudo bem se formos agora? — Lia perguntou para Adeline, tocando-lhe o braço estendido na mesa. Lysandre olhou para Ethan, buscando respostas para a gentileza repentina dela, mas apenas encontrou o dobro de dúvidas.

—A gente vai ter que voar de novo? — Ela hesitou e o druida agitou um molho de chaves.

—Dessa vez é num carro, precisamos nos manter discretos — Ethan anunciou, se levantando junto com as garotas, todos seguindo Lysandre lentamente para a saída.

Se eles soubessem o fim de Adelina, teriam salvado ela ali?

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora