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Talvez fosse a curiosidade de Ruelle que não deixou que ela chegasse tarde em casa novamente, ansiosa para ver a criança sem nome. Ela a encontrou rapidamente no quarto de Melione, que parecia fervorosamente tentar fazê-la comer.

—Eu só vou quando eu falar com a Rue — Reclamou como uma verdadeira criança birrenta, fazendo a mulher revirar os olhos e encontrar com Ruelle apoiada no batente da porta.

—Você era igualzinha, céus! — A Andraste brincou, vendo a mulher loira suspirar e se levantar.

—Lida com ela, você é melhor com crianças — Mel pediu, afastando-se e saindo do próprio quarto, deixando-a sozinha com a menina que a encarava maravilhada, mas ao mesmo tempo com medo de algo.

—Acho que temos um impasse — Rue brincou, sentando-se ao lado dela e pegando o pequeno pote repleto de um líquido quente com algumas verduras — Porque eu só vou te ouvir se você comer.

Moral da história: em menos de dez minutos, toda a sopa tinha desaparecido do pote de cerâmica direto para a barriga da desconhecida, que limpou a boca com a manga daquela mesma camisola cinzenta puída o suficiente para fazer Rue duvidar se cinza era realmente sua cor original.

—Primeiro quero saber seu nome — Tentou novamente, queria qualquer nome, mas não queria que ela também fosse daqueles renegados desde a nascença, apenas... não queria.

—Sage — Revelou, fazendo Rue suspirar em alívio, acariciando as costas da menina, surpresa quando ela se esquivou com um chiado de dor no momento em que ela sentiu o toque.

Tinha um pressentimento horrível sobre aquela reação, um calafrio repentino e uma pergunta que lhe queimou a língua, tentando fielmente sair. Mas foi trancada em seu âmago, fazendo Ruelle forçar um sorriso para confortar a menina.

—Precisa descansar? — Perguntou, mas Sage apenas balançou a cabeça em negação freneticamente — Tudo bem, o que queria me dizer?

—Eu... eu não acho que você vai acreditar em mim.

—Tenta a sorte: eu sou bem mente aberta quando quero, sabia? — Rue tentou brincar, mas a criança ainda parecia mortalmente séria, virando as costas para a mulher. — O que?

—Abre.

E ela desabotoou botão por botão com os dedos mais trêmulos do que queria assumir que estavam e viu ali as costas quase sem espaços para mais cicatrizes. De cada lado, grossos ferimentos já cicatrizados - um sinal claro de que as mesmas asas angelicais que tinha visto em sua visão, já não mais existiam. E no meio das costas, um rasgo que ainda sangrava, parecia até mesmo necrosar a pele ao redor, como um parasita vivo que se esgueirava dentro da pele alva da menina.

—Quando esse corte foi feito, Sage?

—Eu não lembro, mas não quis fechar — A voz da menina estava embargada. Era uma criança tentando parecer adulta porque a situação exigia aquela espécie de seriedade, mas que merda! Era uma criança de qualquer forma — Eu só sei que ela veio e me disse que iria te matar custe o que custar, que se vingaria de você por ter matado ela.

Naquele momento, qualquer um jurava que Rue nem mesmo estava respirando, com o peito imóvel, pensando na única possibilidade de uma pessoa tão cruel daquela forma a ponto de torturar uma criança. Mas apenas um nome lhe vinha na cabeça, e ela se negava a acreditar que Inara poderia estar viva em algum lugar do mundo.

—O que mais ela falou? — Perguntou, desviando do fato de não saber a identidade. A pergunta saiu falha, até mesmo ofegante.

—Que ela sabia que você viria me buscar, que seria guerra... que ela tá vindo te buscar de novo, e dessa vez está bem armada.

—E quem falou isso?

—Ela disse que era a sua mãe, eu acho — A criança declarou por fim, sentindo aquele clima pesar, o silêncio parecia barulhento daquela forma, Rue estava congelada, não conseguia pensar ou raciocinar, porque sabia o que aquilo significava, mas preferiu não acreditar.

—Eu já volto.

A mulher saiu em passos largos aparecendo na sala de estar tão pálida que Lysandre se levantou junto com Melione.

—Vocês, comigo, agora! - Ordenou pegando a capa e a máscara para sair de casa, seguida imediatamente pelos dois para o lado de fora da casa - Onde enterramos o corpo de Inara, você lembra, Lys?

—Sim, claro! — Ele revelou — Mas por que... cacete.

—Tá falando sério? — Melione interferiu assustada.

—Eu não sei, precisamos ir até onde ela está enterrada o mais rápido possível — E assim foi feito, com um feitiço de teleporte perfeitamente executado por Melione os fez caminhar pela terra fofa de um morro que agora subiam fervorosamente. O fôlego de Rue estava inafetado pela pequena trilha, mas sua respiração parecia totalmente rasa.

Estava sentindo o coração bater mais rápido, mas se forçou a focar no rumo que tomavam, apenas para chegar no topo e não precisar mais caminhar. O que outrora tinha sido o túmulo de Inara, agora era um fundo buraco com vestígios da madeira da caixa que tinham trancado ela.

—Mel, consegue sentir algum sinal de espíritos vagantes, mortos... sei lá! — Lysandre perguntou sob o olhar completamente amedrontado de Ruelle que os encarava de longe.

Lys viu os olhos prateados se tornarem completamente brancos, encarando o nada por alguns momentos, para então voltar e olhar completamente assustada para eles.

—Não tem nada aqui, nada — Ela revelou, e os dois encararam Rue, que caminhou calmamente até uma árvore antes de vomitar as tripas na grama, forçando os amigos a desviar o olhar por puro reflexo, Mel e Lysandre se encaram e ambos pensavam duas coisas.

Primeiro: Se ela estava viva, onde Inara estava?

Segundo: O que merda aquilo significava então? 

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora