Circe Rashdalle não era general de porra nenhuma: era a puta da Conclave dos Caçadores, e seu quarto luxuoso naquela mansão vitoriana era um lembrete a todo momento.
Aquilo era sobre dormir em uma cama, e saber que a maciez do colchão tinha sido pago com carne e ossos. Confundir o pingar das gotas d'água de uma torneira mal fechada com gotejar de sangue.
Ela ouviu com clareza a mensageira de mãos finas e sempre trêmulas comunicar que haveria um julgamento dali algumas horas, e que Circe, como de costume, tinha sido convocada.
A general sentiu os fios sedosos do cabelo ébano ao trançá-lo pela terceira vez, observando as raras mechas douradas com admiração toda vez que elas se destacavam como fitas mágicas.
Mas sentiu as bochechas morenas corarem em vergonha do próprio reflexo: estava linda, era uma cópia letalmente elegante da irmã mais nova, a face da ira congelante em contraste perfeito com a revolta efervescente de Satori.
Ela se arrastou nas botas de salto alto que ecoavam com o marchar perfeito no piso branco da mansão, as mão abrindo e fechando com nervosismo quanto mais próximo chegava da sala de reuniões.
Era um julgamento do Conclave dos Caçadores — um título que a fria general carregava nas costas como um fardo. Observando quando as pinturas de antigos membros começaram a recepcioná-la, bastou que cruzasse três rostos arrogantes para encontrar a falecida mãe, e Circe se sentiu na obrigação de curvar-se sob os olhos dourados gélidos dela.
—Não entendo por que Rhiannon era tão amada — Um dos membros disse passando atrás de Circe, ficando ao seu lado — Ela era tão emotiva, fraca demais para uma caçadora de tanto prestígio.
Rune.
Poucas pessoas irritavam tanto Circe quanto Rune e seu senso maldito de superioridade. Ela até mesmo conseguia ver os olhos vazios como um buraco negro dele, sentia a magia dele em ondas congelantes como as ilhas leste de Borboro e inspirar a fragrância cara do homem a fazia querê-lo imediatamente morto.
—Excelência é uma virtude— Circe mordeu a língua ao responder, mas nem toda a sua força de vontade conseguiriam impedir seu instinto de justiça — e ela nunca pertenceu-te, por isso não sabe por que ela merecia o amor que tinha — Ela sorriu, as mãos entrelaçadas à frente do traje de kevlar dela, caminhando em direção ás gigantescas portas prateadas antes que ele tivesse a chance de respondê-la.
E quando Rashdalle entrou, ela se lembrou porque odiava cada membro da Conclave: a mesa que se sentavam era uma gigantesca engrenagem, um perfeito reflexo de como eles achavam que eram os responsáveis por manter tudo funcionando.
Circe sentiu o estômago se revirar em terror quando as luzes do lugar todo se acenderam, e o coração foi comprimido pelas costelas ao perceber que reconhecia a garota ajoelhada no chão marmóreo, as mãos presas por grilhões conectados a ele.
Ela se sentou no trono de obsidiana frio, cujo cartão com o nome Rashdalle cintilava em letras violeta. Circe pensou em todos os motivos que a levaram até aquele momento, na perfeita diagonal de Alaric que nitidamente simpatizava com ela, dando-lhe sorrisos galanteadores e acenos discretos.
Ele gostava dela, e ela se sentia puramente desonrada por isso.
—Devemos começar agora — Miara declarou no lugar mais alto da engrenagem: a ponta cujo o trono de espadas se destacava entre os assentos obsidiana: a voz líder.
Circe sentia uma pontada de orgulho toda vez que olhava a cicatriz que transformava o rosto, outrora belo de Miara, em um retrato perfeito do poder de um trovão controlado pela general — e talvez aquele fosse o motivo pelo qual ela sempre era alvo da raiva da líder.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Noite Eterna, Coração Etéreo
RomanceRuelle é uma entidade criada para proteger o mundo, mas talvez o amor cegante possa comprometer sua missão e fazê-la destruir tudo aquilo que ela nasceu para preservar. Satori é uma jovem adulta com grandes poderes, mas talvez nem todo o poder do mu...