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Circe e Alexina tinham passado a odiar aquela cadeira ao lado de Miara, o rompimento sutil na hierarquia para Inara ter onde sentar e o que comandar. Mas definitivamente, a coisa mais aterrorizante era a postura retraída e deprimida de Malaika, sentada ao lado do pai, observando julgamento atrás de julgamento.

Era a primeira vez dela ali, vestida com um longo e justo vestido azul bebê como a cor de sua família, a franja branca descuidada caindo perto dos olhos brancos como cristal, mas opacos e sem vida.

O chão marmóreo desenhado em branco e dourado ainda manchados de sangue da última execução. Mas ela sabia que deveria permanecer calada, e tinha feito esse trabalho muito bem.

—Depois de um tempo analisando o comportamento dos pupilos, escolhi aqueles que estarão sobre a minha tutela pelo restante do trajeto, já aprovado por Miara. — Inara garantiu, os cabelos ruivos presos num coque rígido perfeitamente alinhado, levantando-se e ondulando o vestido rosa choque de cetim.

E todos ouviram cada nome citado com cautela, Alexina sentindo o gosto de sangue conforme mordia a própria língua para conter o nojo e a raiva, os lábios formigando para uma oposição. Mas ela permaneceu quieta com anos de treinamento.

Circe sentiu o bile se revoltar e queimar a sua garganta para fazê-la vomitar, mas ela apenas assentiu atenciosamente. A Fulgora observou Malaika com as mãos unidas na frente da boca, como se estivesse apelando para alguma divindade sussurrar-lhe no seu ouvido que aquilo era mentira.

—Eu sou um membro da Conclave, de acordo com nosso tratado, não posso treinar — Malaika se impôs assim que o seu nome foi citado, sem conseguir conter a revolta e nojo.

—Agradeça ao seu pai, Alaric me lembrou das leis que pedem ao menos cinco anos de treinamento — Aideen falou, as garras douradas que incrustavam as luvas de sua armadura pressionando levemente o rosto doce e ameaçador — Se bem me lembro, você tem vinte e quatro, não?

—Mas faltam três meses para a graduação — Alexina tentou defender, mas já sentia o peso do temor que viriam nos dias subsequentes.

—Ela entrou dois anos depois da maioria dos calouros, isso pede que ela tenha dois anos a mais de treinamento — Aideen continuou a argumentar, e ninguém ousou retrucar novamente, Malaika aceitando seu destino selado em silêncio.

—Então avise os meus futuros pupilos sobre a mudança iminente, e mande um olá em meu nome — Inara sorriu como uma tirana, malícia pura em seus olhos cor de rosa.

E enquanto todos se retiravam silenciosamente da grandiosa sala , Nesryn se recusava a sair do lado de Macaria na enfermaria, ignorando todas as vezes que Willa chegava, colocava a mão em seu ombro e lhe dizia que ela iria acordar.

O orgulho da sua nova técnica tinha sido substituída, ofuscada pela agonia de ser a responsável por Aria estar desacordada.

—Ai, cacete — Macaria gemeu, contorcendo-se na maca e foi puro reflexo da amiga levantar-se da poltrona de supetão, assustada e aliviada. No pequeno celular branco, a mensagem "ela acordou" na conversa com Willa era o que brilhava na tela — Porra, vocês não tinham analgésicos mais fortes, não?

—Pela graça de Otsana, ainda bem que você acordou! — Nesryn exclamou, prendendo os cheios cabelos cor de lavanda no topo da cabeça. — Eu sinto muito, Macaria, não achei que fosse ser tão preciso!

—O que? — Macaria perguntou, a voz mal passando de um eco rouco e anasalado, distante do que era a voz doce e leve da garota — Ah, Ness, me diz que você não tá pedindo desculpas.

—Você ficou apagada pelo resto do dia, acho que eu deveria pedir desculpas por isso — A garota assimilou — E não tenta levantar até a Willa chegar, você fraturou umas costelas.

—Aquele golpe foi foda, não peça desculpas por uma maravilha daquela não! — A Solari reclamou enquanto ainda se contorcia na maca, desistindo de tentar levantar e afundando a cabeça nos travesseiros brancos e fofos da cama. — Você amassou, Ness, não sabia que lutava tão bem.

—Eu nunca tinha testado isso em uma luta real — Ela confessou, finalmente sentando-se de volta na poltrona marrom de couro surrado, observada por olhos azuis fatigados.

—Não fui uma boa cobaia, né?

—Deixou que eu te acertasse, isso já é um avanço — Aria riu da própria tragédia, a mão na testa repleta de curativos. — Você caiu de cara no concreto.

—Eu sinto que eu fui esmagada por um concreto, então só ter caído de cara já é um avanço — Ela sorriu — Fica tranquila, Ness, batalhas são assim.

—Por isso que não gosta de perder?

—Como se sente? — Willa quase arrombou a porta do quarto, mesmo que seu rosto e postura fossem o símbolo de falta de raiva e tranquilidade.

—Nada além do esperado: dores por todo o corpo, minha visão tá piscando também e... — Macaria pensou, como se estivesse reconsiderando algo — Acho que é isso.

—Más notícias: vai ter que ficar aqui até ao menos de noite. Você se quebrou feio lá — A curandeira explicou, mas nada de preocupação era vista no rosto moreno.

—Que merda, eu tinha turno noturno hoje na cafeteria —a Solari bufou, apoiando os cotovelos na cama para tentar erguer parte do corpo, mas cedendo com a dor lancinante e instabilidade.

—Gosta mesmo de trabalhar lá? — Willa e Nesryn perguntaram em uníssono.

—Gostar de trabalhar? Quem gosta de trabalhar? — A garota respondeu com um tom que beirava a revolta fria — O trampo é fácil e a grana é boa: só por isso eu tô lá.

—De qualquer forma: Satori avisou para a gerente que você não iria porque foi espancada em menos de doze minutos — Willa pareceu fazer questão de enfatizar o tempo, quase como um tom de ironia.

—Merda, merda! — Nesyn reclamou, mudando completamente de assunto ao ler as mensagens no celular — Vocês não vão acreditar.

—O que aconteceu? Desembucha menina! — Macaria exigiu.

—Inara já escolheu seus alunos, inclusive Malaika é um deles.

—E o resto? — Willa questionou delicadamente, aproximando-se com a prancheta e a caneta em mãos.

—Essa é a merda: a gente tá na lista.

Noite Eterna, Coração EtéreoOnde histórias criam vida. Descubra agora